Da pobreza de Soweto à presidência da África do Sul

Cyril Ramaphosa: de liderança da maior greve mineira no país ao Massacre de Marikana, foi de herói a vilão

Por Marcio Zonta

As grandes marchas e greves dos mineiros contra o apartheid, por melhores salários e condições de trabalho nos anos de 1980 ainda está na memória da classe trabalhadora mineira do país sul-africano.

Uma das lideranças desse processo massivo e organizativo, Cyril Ramaphosa assumiu a presidência da África do Sul em fevereiro deste ano, depois de contestáveis oito anos de Jacob Zuma na presidência pelo Partido do Congresso Nacional Africano (ANC), que o levou à renúncia no início do ano.

Demonstrando ser inquebrável em sua ideologia contra a elite mineira transnacional na África do Sul, que concomitante era a classe detentora do sistema racista, Ramaphosa era tido como um dos homens mais próximos e de confiança de Nelson Mandela. Responsável por liderar e criar, em 1982, o maior e mais combativo sindicato de mineiros na África do Sul, a União Nacional dos Mineiros (NUM) no período mais violento e politicamente instável da história do país sul-africano.

Ramaphosa, em seu discurso de posse como presidente, em 15 de fevereiro deste ano, remontou aos tempos de liderança sindical e afirmou que “o povo virá em primeiro lugar” e que estaria saindo de um "período de incerteza e escuridão para entrar em uma nova fase".

De sindicalista a empresário

Entretanto, as palavras proferidas no evento presidenciável é a desconfiança central da esquerda do país.

Para muitos, os anos passaram e Ramaphosa não é mais o mesmo, “mudou de lado”, diz o historiador Ralfh Mupalang. O ex sindicalista e atual presidente sul-africano é um empresário rico. Possui uma fortuna pessoal estimada em 540 milhões de dólares, tido hoje como um dos homens mais ricos da África do Sul, de acordo com a Deutsch Welle.

“Sua ascensão a imensas riquezas não era tanto devido às suas habilidades como um empresário, mas sim porque o ANC o ‘implantou’ para negociar com o setor privado e os capitães brancos da indústria da África do Sul decidiram que ele era um homem com o qual eles poderiam fazer negócios”, diz Mupalang.

De acordo com o site “The Conversation”, Cyril Ramaphosa abandonou a política para se dedicar aos negócios; fez crescer uma grande sociedade de investimentos, a Shanduka, com interesses em sectores que iam desde a mineração ao fast-food. “O sucesso deste grupo confirmou a sua reputação como negociador habilidoso”, assinala Thapelo Tselapedi, investigador na Universidade de Joanesburgo”.

Durante os 20 anos que atuou ao lado das empresas, Ramaphosa estabeleceu profundas ligações com o setor privado na África do Sul. Para Mupalang, ele foi cooptado para as salas de reuniões de mega corporações como “McDonalds, Coca-Cola e as mineradoras inglesas”.

O presidente atual teria aceitado o jogo do poder econômico e trocado todo seu capital político acumulado com a luta dos trabalhadores da mineração para se tornar um homem bem sucedido economicamente.

O que o levou a se envolver no mais horrendo crime recente da luta de classes sul-africana pós-apartheid. A chacina de 34 mineiros em greve, em agosto de 2012, foi orquestrado por ele, pela mineradora inglesa Lonmin e pelo estado sul-africano.

“Muitos minimizam a participação de Ramaphosa no chamado Massacre de Marikana, mas ele foi um dos articuladores centrais da chacina”, acusa Mupalang.

Em trecho de e-mail que veio a público após o massacre, Ramaphosa, que era executivo da mineradora Lonmin em 2012, mencionou aos executivos da empresa que a greve geral é “ato criminoso e deveria ser tratados como tal”.

Filho de Soweto

Foto: GCIS

Nascido num dos bairros mais pobres da África do Sul, em Soweto, Ramaphosa, que liderou uma das maiores greves de mineiros da história do país em 1987, hoje é considerado um político educado, articulado e tecnocrático.

Decidiu abandonar em 1997 tanto o NUM quanto o ANC para se dedicar exclusivamente aos seus negócios, comprando empresas de telecomunicação, mídia, bebidas e redes de fast foods, além de empresas de mineração.

Em 2014 voltou ao cenário político e assumiu a vice-presidência da África do Sul ao lado de Jacob Zuma. Em dezembro de 2017 se tornou o presidente da ANC e liderou a articulação do grupo que pediu a saída de Zuma no início de 2018.

Reaparece novamente na cena política num contexto onde a apaziguação social numa África do Sul cada vez mais empobrecida necessita ser implantada.

“Ramaphosa é visto como um parceiro confiável pelo capital global e haverá mais abertura para as empresas transnacionais, não sendo o suficiente, obviamente para criar o tipo de empregos e segurança social que a África do Sul precisa”, expressa Ralfh.

Portanto, o clássico modelo de governança da ANC estaria sendo fortalecido com sua volta estabelecendo um “pacto social, permeado de uma visão coletiva que favorece o capitalismo com harmonia social, mas à custa dos interesses da classe trabalhadora”, conclui o historiador.

Coordenação de Jornalismo: Nina Fideles Coordenação de Multimídia: José Bruno Lima Texto: Marcio Zonta Edição: Simone Freire e Daniela Stefano Artes Gabi Lucena

Parceria: Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Em memória de Adalberto Franklin, jornalista e historiador do Maranhão.