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Coluna

A hora e a vez da militância

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É preciso mostrar o que significa o projeto de desenvolvimento com justiça social
É preciso mostrar o que significa o projeto de desenvolvimento com justiça social - Foto: Reprodução
Projeto econômico do ex-militar radicaliza projeto de Temer

As eleições estão aí. Nunca uma disputa rendeu tantas reviravoltas e avaliações, algumas inteligentes e perspicazes, mas quase sempre pontuadas pelo espanto. Muitas pessoas se perguntam: como é possível ter chegado a esse ponto? A indignação não vai muito longe quando o sujeito não se responsabiliza. Há um tanto da alma brasileira exibida nessas eleições, para o bem e para o mal.

No entanto, o mais sábio nessa hora é agir de forma determinada. E há muito a ser feito antes do desalento que pode anteceder novas interpretações. A militância no Brasil sempre foi o diferencial dos partidos populares. Fez a hora, não esperou acontecer. É a tarefa dada agora nessa reta final da eleição. As mulheres, com coragem, fizeram sua parte e deram a inspiração na grande mobilização da semana passada. É hora de seguir.

Num contexto onde o diálogo está travado, não adianta buscar os mesmos caminhos que deram no impasse. É preciso abrir caminhos e falar para o outro, não para convertidos. O desafio é chegar até a base da sociedade, onde certamente a sensibilidade para a vida real é mais forte. A fundamental denúncia dos absurdos no campo dos direitos humanos precisa ser potencializada com o ataque igualmente desprezível no âmbito dos direitos sociais e da economia.

Não se trata apenas de contrapor projetos, mas de dissecar o que eles trazem. Bolsonaro não é apenas um tosco, autoritário, antidemocrático, homofóbico, preconceituoso, machista, racista e violento. É um despreparado que aponta em seu programa prejuízos imediatos na vida do cidadão, como a retirada de direitos trabalhistas e aumento de impostos para os mais pobres. Não é um acaso sua recusa em falar em economia. Ele prefere assuntos em que navega fora da racionalidade.

Não parece ter ficado suficientemente claro para o eleitor que o projeto econômico do ex-militar é a radicalização do que vem sendo feito por Temer e renegado de forma veemente pela população. A recente sedução do mercado pelo candidato se dá pelo que tem de pior: ele promete a mesma gestão antipovo e privatista, ancorado pela dispensa de obter consenso político. Nada melhor para o mercado que um candidato autoritário. Entre a barbárie e o lucro fácil, a opção já foi feita. O trabalhador sabe que está cevando o rali dos mercados e bolsas?

Mas economia é assunto muito difícil e pouco mobilizador. O ex-capitão gosta mesmo de falar de sexo e segurança. Para os dois universos tem seu diagnóstico hediondo e sua cura desumana. No primeiro caso, o moralismo preconceituoso que apela para uma visão conservadora de comportamento. No segundo, com a defesa da violência como resposta à violência. O que sai daí é pura regressividade anticivilizatória: censura, autoritarismo, escola sem partido, população armada, truculência policial. Uma pauta de instintos brutais.

Por outro lado, a candidatura de Haddad tem a ganhar exatamente no que exibe de racional e democrático. Mas é fundamental mostrar que esses são assuntos que dizem respeito a todos e têm resultado no dia a dia. É preciso mostrar o que significa o projeto de desenvolvimento com justiça social, a defesa dos programas sociais, o respeito às regras de convivência política, o respaldo internacional. E, principalmente, a perspectiva de sair da crise, criar empregos e defender direitos conquistados.  

Essa pauta precisa ser, além de concreta, popular. É onde estão os votos ainda em disputa, as consciências em suspensão, à espera da manifestação da confiança política num cenário de ódio. A estratificação das pesquisas eleitorais mostra o inominável: o candidato do PSL passeia entre os grupos mais ricos e com maior escolaridade. Por esse motivo, diálogos com esses setores estão vedados, em razão do ressentimento. Há algo de psicológico na triste submissão da classe média a valores que não são dela e dos quais não ganha nada em troca.

Na reta final, é preciso afiar o discurso, aprofundar a prática militante e, principalmente, buscar o alvo correto. Mas não basta. Outra indicação essencial nesse momento é garantir a união das forças populares que veio se perdendo nos últimos tempos e quase se esfacelou com a campanha. É preciso armar uma grande onda contra o atraso. As diferenças, por ora, devem ser colocadas à sombra de um perigo muito maior.

Como fazer? A experiência dos últimos governos do PT parece ter deixado um sabor amargo de perda de oportunidade de formação política. Talvez marcados pelas tarefas construtivas da administração, muito da substância do partido se dissolveu numa equivocada avaliação de que a melhoria das condições de vida e o acesso ao consumo tinham em si o potencial de emancipação política dos cidadãos.  

A urgência da recomposição da base militante e participativa, em suas mais diferentes fontes, ficou como lição e agora emerge como estratégia a ser recuperada. Outra derrota que serve de lição foi o abandono da comunicação popular em favor da mídia comercial, que por mais de duas décadas construiu a estrada para a entrada triunfal do “coiso” no reino da viabilidade eleitoral. Sem a mídia, possivelmente ele não seria mais que a aberração que de fato é.

A mesma lógica que deve guiar o esforço pela conquista de votos para presidente e governadores deve estar presente nas campanhas para as assembleias e o congresso nacional. Há uma lógica produtiva em pensar a relação entre o Executivo e o Legislativo numa democracia forte como a soma de ponderação e ousadia. Escolher parlamentares mais radicais é uma forma de garantir o exercício pleno da representação. O poder precisa ser para todos, mas é fundamental que seja por todos.

A batalha do primeiro turno vai deixar duas tarefas que precisam desde já ser colocadas em pauta. A organização das alianças responsáveis para o segundo turno e a construção da governabilidade popular. Mas essa é outra história.

Edição: Joana Tavares