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O debate interditado: como ficará o Brasil com cada presidenciável após as eleições?

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A quem foi estratégico e por quê foi estratégico silenciar o debate?
A quem foi estratégico e por quê foi estratégico silenciar o debate? - Reprodução
Todos terão que ter plano de saúde? E quem não puder pagar por um, morre?

O que mais ocorreu durante todo o período eleitoral foi a interdição do debate das propostas de governo para o país. Entrevistas que propositalmente não buscavam conhecer os programas de cada candidato, mas meramente acusar e encurralar. Parte da imprensa deixando de cumprir seu importante papel social. Ausência ‘estratégica’ de Bolsonaro aos debates, silêncio das propostas e divulgação em massa de notícias falsas usados como instrumentos para interditar o debate essencial de qualquer eleição: como exatamente cada candidato irá conduzir o país após as eleições? Como ficará cada política pública? 

Qual a porcentagem dos eleitores que conseguiria responder hoje a essas perguntas? Existem algumas propostas para políticas públicas essenciais que aparecem no programa de governo entregue ao TSE por Bolsonaro que precisam ser questionadas, já que ele não entra nos detalhes. Elas também devem ser comparadas com as propostas do Haddad, que entregou um programa de governo detalhado.

Previdência 
Bolsonaro propõe mudar do atual sistema para um de capitalização. Porém, não detalha como fará isso nem como funcionará. Haverá transição? Como lidará com o custo dessa transição? Como fará isso ao mesmo tempo em que pretende desonerar a contribuição previdenciária patronal sem compensação por outro tributo? Haverá redução do direito previdenciário? Quanto as pessoas receberão de aposentadoria? 

Um país onde isso ocorreu foi o Chile, durante a ditadura Pinochet. O resultado é 90% da população idosa sem sequer receber um salário mínimo como aposentadoria, com muitos em situação de rua ou suicidando. 

Haddad, por outro lado, propõe retomar a sustentabilidade financeira da previdência com unificação dos regimes existentes e realização de uma reforma tributária progressiva, que melhore a arrecadação e faça uma redistribuição da carga por faixa de renda. Manterá a aposentadoria como direito e não como produto, de tal forma que exista segurança sobre o valor final que será recebido, com garantia de recebimento acima de um salário mínimo. Também propõe reformar privilégios existentes e realizar estudos para adequação à mudança demográfica, com o envelhecimento populacional. 

Saúde
Bolsonaro propõe realizar um credenciamento universal dos médicos aos planos de saúde. O que exatamente isso significa? Como ficará o SUS? Todos terão que ter plano de saúde? E quem não puder pagar por um, morre? Existirão diferentes pacotes de ‘serviços de saúde’ com preços diferenciados? Mas, e se uma pessoa que tem o plano mais barato, com menos serviços cobertos, tiver câncer, ela morre? E se o paciente tiver alguma condição que requer exames ou cirurgia? Vai ter credenciamento universal das clínicas de diagnóstico e dos hospitais? Qual vai ser o custo desses planos de saúde para as pessoas? E os médicos, caso queiram atender só particular, serão obrigados a atender pelo plano? Isso não vai gerar uma queda abrupta no preço da consulta médica? Quantas consultas ou por quantas horas terão que realizar o atendimento por meio dessa cobertura? 

Já Haddad propõe uma ênfase na atenção secundária, que hoje é grande gargalo do SUS, com a criação de uma Rede de Especialidades Multiprofissional (REM), em parceria com estados e municípios. Serão organizados polos em cada região de saúde, integrada com a atenção básica, a fim de atender a demanda reprimida de consultas com médicos especialistas, exames complementares e cirurgias de média complexidade. Estão previstos ainda hospitais-dia em que poderão ser feitas cirurgias ambulatoriais especializadas, exames ultrassonográficos e procedimentos traumato-ortopédicos. Para isso, o programa defende aumentar progressivamente o investimento público em saúde, de modo a atingir a meta de 6% em relação ao PIB (Produto Interno Bruto).

Educação
Bolsonaro propõe uma ênfase na educação fundamental e técnica, ampliar a quantidade de colégios militares e cobrar mensalidade no ensino superior. As universidades públicas deixarão de existir? Como ficará a inovação que basicamente só ocorre nas públicas? E a pós-graduação, mestrado e doutorado? Quem conseguirá fazer / pagar?

Haddad, por sua vez, propõe valorização dos professores e professoras alfabetizadoras; ensino médio como prioridade, com a criação do programa Ensino Médio Federal; além de investimento no ensino público superior, com ampliação do orçamento para ciência, tecnologia e inovação.

Segurança
A principal proposta de Bolsonaro é rever o Estatuto do Desarmamento para liberar armas no país para todos. Existirá alguma regulação mínima de acesso? Vão ocorrer testes antes? Qual vai ser o custo? Se a intenção é reduzir a violência, por que liberar armas se estudos apontam que nos estados dos EUA onde o porte de arma é liberado há mais casos de homicídios?

Já Haddad, em um contraponto direto, diz que "não podemos aceitar o risco de um banho de sangue no país, como consequência do ódio, de armas nas mãos da população, de autorização ilimitada para o Estado matar. O combate implacável à impunidade e ao crime organizado será feito à base de inteligência e valorização da autoridade policial." Como medida emergencial irá reforçar o papel da Polícia Federal nos casos de investigação, para que a polícia nos estados possa estar mais disponível para coibir a incidência de roubos e furtos, apontados no programa como "crimes que ocorrem em larga escala no país" e que são "uma das maiores causas de prisão".

Economia
A agenda econômica de Bolsonaro é a continuação do que Temer está fazendo: teto para as despesas sociais e de investimento, privatizações, redução das garantias trabalhistas e previdenciárias. Porém, se em dois anos, o Temer adotou exatamente a agenda defendida pela dupla Paulo Guedes / Bolsonaro e não deu certo, como poderia agora funcionar? Qual seria o fato novo para fazer com que ocorra ampliação do investimento privado? De onde surgiria a demanda para motivar o investimento e a produção? Ainda, se o problema fiscal é de fluxo e não de estoque, como privatizar vai resolver a situação? Vale lembrar que a previsão do valor de venda das estatais (Petrobras, Banco do Brasil, BB Seguridade, Eletrobras, BR Distribuidora) por estudo encomendado pelo Paulo Guedes é de meros R$ 437 bilhões, mas a dívida pública federal hoje está em R$ 3,78 trilhões, tendo batido recordes de crescimento no governo Temer. 

Haddad tem como agenda econômica revogar a EC 95 do ‘teto dos gastos’, ampliar os investimentos econômicos e sociais e gerar empregos. Os primeiros postos de trabalho virão justamente em decorrência desses investimentos em infraestrutura. Com essa demanda do setor público, o setor privado poderá fazer investimentos, que somados aos novos empregos gerados, irá retomar a economia. Superado o tempo de crise, será possível lidar com a questão de fluxo da política fiscal e consequentemente da dívida. Nos moldes do que propõe até mesmo o FMI, nos seus documentos mais recentes, como o Fiscal Monitor 2018.

Meio ambiente 
Bolsonaro propõe enfraquecimento do licenciamento ambiental, facilitação do uso de agrotóxicos, abertura de áreas protegidas para atividades de alto impacto ambiental. A demanda populacional por alimentos orgânicos está cada vez maior; porém como ampliar a oferta se o programa fala em reduzir incentivos para os agricultores familiares, que são os maiores produtores, e aumentar as isenções tributárias para os agrotóxicos? Como preservar o meio ambiente, nossas águas, nascentes, natureza, florestas e Amazônia com essas propostas?

Para o Meio Ambiente, o programa do Haddad tem a proposta mais inovadora entre todos os candidatos à presidência. Ele traz a proposta de uma transição ecológica para chegar ao Desmatamento Zero na Amazônia em 2022, com incentivo a energias alternativas e eficientes, e agricultura de baixo impacto. Essa transição viria com a adoção de tecnologias mais produtivas e menos poluentes, investimentos em geração de energia eólica e solar e destaque à agricultura familiar. Também se comprometeu com questões globais, como a redução de emissão de gases de efeito estufa e a meta de se chegar ao desmatamento líquido zero em 2022.

Diante dessas análises fica óbvia a resposta à pergunta: a quem foi estratégico e por quê foi estratégico silenciar o debate?. Bolsonaro manteve suas propostas de governo silenciadas para enganar a população, porque o que pretende é: reduzir a aposentadoria, não investir no SUS, pôr fim ao ensino público superior e a pesquisa e inovação, seguir com alta taxa de desemprego e economia encolhida, destruir o meio ambiente e a Amazônia. 

Já Haddad foi silenciado nos momentos em que tentava falar de suas propostas porque elas vão na direção do que a população precisa e deseja: sustentabilidade financeira para as aposentadorias, fortalecimento da assistência especializada e dos exames no SUS, mais investimento no ensino médio e inovação, geração de empregos, retomada econômica, preservação ambiental com transição ecológica. 

Por fim, é sempre importante lembrar nesse cenário de ‘debate interditado’ que a essência da democracia está no falar, no debater, no construir junto, no governar com e para o povo. Não existe democracia sem debate de ideias, sem diálogo, sem apresentação detalhada de propostas, sem construção coletiva, sem respeito ao contraditório, à oposição e ao ativismo.

Edição: Daniela Stefano