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Mucajá, fruto nativo da Amazônia, ganha espaço nas feiras de Santarém

Presente na gastronomia, pelas propriedades nutricionais e versatilidade, fruto é alimento e cultura

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Ivete Bastos, agricultora e militante da agroecologia, tem um carinho especial pelo mucajá
Ivete Bastos, agricultora e militante da agroecologia, tem um carinho especial pelo mucajá - Fotos: Bob Barbosa
Presente na gastronomia, pelas propriedades nutricionais e versatilidade, fruto é alimento e cultura

“Por se tratar de um fruto que ajudou na nossa alimentação e na nossa subsistência, ele faz parte da minha vida, da minha história, e de tantas pessoas que moram na nossa terra, no assentamento agroextrativista PAE Lago Grande.” Assim a agricultora familiar Ivete Bastos apresenta o mucajá, que no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande, território que abriga cerca de 35 mil pessoas, é produzido de forma agroecológica e comercializado em três feiras que acontecem no município.

A primeira feira agroecológica acontece no pátio da Emater desde 2015, todas as quartas-feiras; a segunda, com enfoque na produção das mulheres agricultoras, acontece dentro da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), todas as quintas-feiras; e a terceira feira acontece desde 2018, antes quinzenal, este ano passou a acontecer todo sábado, na vila balneária de Alter do Chão.

É nas feiras de Alter do Chão e da Ufopa que Ivete Bastos vende seus produtos. De acordo com a agricultora, que é uma das lideranças da Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Santarém, são necessárias cerca de duas horas para coletar o mucajá. Depois, do assentamento até as feiras agroecológicas, o fruto percorre um grande trajeto, explica Ivete.

“Pra conduzir o nosso produto, nós trazemos primeiro na carroça até o barco. O barco viaja umas duas horas e meia de descida no rio Amazonas. Então chega aqui a gente pega mais outro transporte para vir pra feira”. Ela afirma que há uma boa procura pelo fruto. “Tem pessoas que não conhecem, porque moram na cidade, mas aqueles que moram na cidade, e que conhecem o produto, compram e gostam de comer.”

Valor nutricional

A bióloga Raquel Tupinambá, da comunidade Surucuá, em Santarém, conhece bem as palmeiras bastante comuns em sua região. “É uma palmeira que tem ampla distribuição nas Américas, desde o México até o norte da Argentina. Ocorre não só na Amazônia, mas em todo o Brasil, e é utilizado mais na região norte, principalmente no Pará”, explica a pesquisadora. Mestre em Botânica pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Raquel ressalta que o fruto é rico em lipídios, gorduras, açúcares e fibras. 

A bióloga Raquel conhece o mucajá desde criança e na academia o estudou pelo seu nome científico: Acrocomia aculeata. | Foto: Bob Barbosa

Redes sociais e de sabores

Chef de culinária vegetariana e vegana de um restaurante em Alter de Chão, Betânia Spangemberg ressalta outras propriedades do alimento. “O mucajá tem muita gordura boa, que a gente popularmente explica que é o colesterol bom, que vai nos ajudar nos processos digestivos. E aquela polpa tem um sabor semelhante ao do abacate. E por essa similaridade eu resolvi fazer um molho, que eu vou dar uma receita pra vocês.”

Mas antes da Betânia passar a receita, Ivete Bastos lembra dos momentos que o mucajá lhe proporcionou. “A gente gostava muito de comer ele com farinha, numa rodada de irmãos, nós somos doze. Mas também gostávamos de fazer o vinho dele. A gente fazia tanto, umas três panelas assim, cada uma com mais de dez litros, pra gente distribuir para nossos vizinhos.”

Betânia considera essa uma das virtudes do mucajá: “Você senta com a família, conta histórias, conversa, tira aquela polpa e depois faz o molho, ou o creme. Você junta as pessoas, porque a cozinha é a primeira e a maior rede social que a gente já inventou.”

A descrição que Ivete faz do mucajá, destaca também o aroma que o fruto exala. “É uma fruta bem redondinha, quando fica cheiroso a gente tira aquela casca e tira a massa, cortando com uma faca, ou quebrando.”

Para tirar a sua polpa, é preciso antes coletar o mucajá, como explica Raquel. “O tronco da palmeira tem espinhos e a gente sempre coleta os frutos já do chão, quando eles caem.”

Muito apreciada nas comunidades da Amazônia, o mucajá também é conhecido por Bocaiúva. | Foto: Bob BarbosaMuito apreciada nas comunidades da Amazônia, o mucajá também é conhecido pelo nome de Bocaiúva. | Foto: Bob Barbosa

A própria Ivete conta: “a gente sempre tira uma hora, duas horas, pra ir coletar. Tem alguns que estão um pouco perto das nossas casas, mas tem uns que estão mais distantes. Às vezes a gente vai sozinha, às vezes reúne um grupo, e vai juntar o mucajá.” Segundo a liderança e ex-vereadora pelo PT em Santarém (2012-2016), razões para a coleta do mucajá não faltam. “Nós teremos um projeto que vai beneficiar o óleo de todo esse produto. Serve pra fritar um ovo, porque ele é muito bom.” 

Betânia Spangemberg conheceu o mucajá quando conduzia atividades pedagógicas em uma comunidade ribeirinha do Tapajós. Percebendo as crianças mascarem o mucajá como se fosse chiclete, Betânia descobriu uma outra possibilidade: transformá-lo em molho salgado.

A receita é simples: “Para um xícara de polpa de mucajá, meia xícara de azeite de oliva, um dente de alho, suco de um limão verde e temperinhos a seu gosto. Claro, eu coloquei uma colher de café cheia de sal. E aí você bate bate bate! Quando chegar aquele ponto de maionese, basta você colocar na sua salada. Vai ficar maravilhoso, lembra bastante o guacamole.”

Betânia e Yan trabalham com culinária e sempre que podem aproveitam o mucajá em seus pratos. | Foto: Bob Barbosa

Aspirante a chef confeiteiro no restaurante de Betânia, o jovem Yan Barbosa dá outra receita. “Com uma xícara da polpa do mucajá, a gente consegue fazer um creme delicioso, três quartos de xícara de leite condensado e uma caixinha de creme de leite. É só botar no liquidificador e bater durante cinco minutos, que ele já vai dar essa cremosidade. Tem gente que bota um pouco de limão pra talhar mais rápido. Depois é só botar no congelador e pronto. Vira meio que um sorvetinho.”

Diante da qualidade do mucajá, Ivete garante: “Nós queremos cada vez mais preservar essas árvores, esse tipo de alimento que é muito saudável, agroecológico, não tem influência nenhuma de agrotóxico.” Como diz Yan: “Quando a gente come essa fruta, o adocicado que traz é tipo da gente lembrar de correr, correr descalço mesmo, no quintal, subir em árvore.

 

Palmeira de mucajá. | Foto: Bob Barbosa

Edição: Cecília Figueiredo