Coluna

O “terrorismo” de quem não pede por favor

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Lutar por direitos, organizar-se em grupos e movimentos populares parece ser a consequência lógica para quem está insatisfeito com o estado
Lutar por direitos, organizar-se em grupos e movimentos populares parece ser a consequência lógica para quem está insatisfeito com o estado - Gustavo Marinho/ MST-AL
A lógica de quem se organiza é a de combater abusos, ilegalidades e privilégios

Por Olímpio Rocha*

No campo dos embates populares, das lutas por direitos e garantias, parece óbvio que ninguém consegue nada “pedindo por favor”. É pueril imaginar que a melhora de vida das classes sociais historicamente subalternas se dê sem que elas vão às ruas, sem que protestem e sem que, ao fim e ao cabo, lancem mão do direito constitucional à livre manifestação, mesmo que isso redunde em contratempos a quem não se some a tais atos. 

Lutar por direitos, organizar-se em grupos e movimentos populares parece ser a consequência lógica para quem está insatisfeito com o estado de coisas à sua volta e que, para além disso, sofre emocional e até fisicamente com a desigualdade. Penalmente, há teses robustas que sustentam que a desobediência civil praticada por esses grupos desfavorecidos se enquadra como excludente da culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa. Ou seja, não se pode pedir a quem sofre que tenha outra reação senão desobedecer quem o oprime.

No Brasil, a busca pela diminuição nas tarifas de transporte público - demanda que tradicionalmente é encampada pelo movimento estudantil, a briga dos professores em todos os estados para ter um salário digno, bem como a luta de movimento sociais e urbanos, tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), pelos direitos à terra e moradia via reforma agrária e urbana, são questões que só têm respostas a contento porque a militância vai às ruas e exige – não “pede por favor” - que os poderes constituídos acolham as suas demandas e as concretizem com a brevidade possível. 

É verdade, entretanto, que nem sempre se consegue e que, infelizmente, acaba-se reprimindo tais ações reivindicatórias, muitas vezes à base de violência institucional e também extramuros oficiais.

Nesse mote, a Lei Antiterrorismo (13.260/16), sancionada ainda em 2016 pela Presidenta Dilma Rousseff, atualmente objeto de propostas de mudança para pior, através do PLS 272/2016, de autoria do Senador Lasier Martins (PODEMOS), é prato cheio para articular e por em prática a repressão contra quem não pede por favor para que se respeite um direito seu. A ampla subjetividade da lei, que não deixa claro em seu artigo 2º o que seria o “terror social ou generalizado”, por exemplo, faz com que militantes sociais possam ser enquadrados como terroristas, o que é de todo absurdo. 

O mesmo diploma legal, em seu artigo 3º, também diz que prestar auxílio a “organização terrorista”, sem dizer o que é uma, pode sujeitar o autor à pena de reclusão. Nessa linha, até os advogados e advogadas que eventualmente oficiem na defesa de movimentos sociais podem acabar denunciados pelo auxílio que prestam às causas populares. Há, enfim, uma série de incongruências que vão de encontro ao devido processo legal, ao respeito aos tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil e que não cabem numa coluna como essa. 

Mais recentemente, outro projeto de lei (o PL 10.431/2018), ora tramitando na Câmara dos Deputados, de autoria do ex-presidente Michel Temer, soma-se à famigerada Lei Antiterrorismo e propõe, entre outras inconsistências, que se bloqueie imediatamente os bens de pessoas que prestem auxílio às chamadas “organizações terroristas”. Esbarra-se, novamente, na vagueza da definição e na afronta ao princípio da taxatividade penal, para dizer o mínimo. 

Fato é que sob o manto de um governo de extrema-direita como é o de Jair Bolsonaro, que escolheu como alvos preferenciais os movimentos populares que não pedem por favor, fica claro que o aparato institucional fará o possível para que seus militantes sejam indiciados e posteriormente denunciados pela prática de supostos atos de terrorismo, de modo a inibir a ação organizada de quem luta pela concretização de liberdade, igualdade e fraternidade. 

Se já havia abusos nas denúncias sem provas que não individualizam condutas e pedem condenações por furto, dano e roubo numa ocupação de terra ou de prédio abandonado, está mais claro que se pretende intimidar mais ainda e “pesar a caneta” contra a militância, que continuará criminalizada, agora sob os auspícios de um entreguismo recolonizador bancado por quem se põe genuflexo ao capital internacional.

Num primeiro olhar, o horizonte para os movimentos sociais não parece auspicioso sob tantas inconstitucionalidades mas, a contrário senso do que alguns possam defender, é necessário lembrar que a lógica de quem se organiza popularmente sempre foi a de combater abusos, ilegalidades e privilégios. Não deverá lograr êxito essa tentativa de institucionalizar o fascismo a colocar medo em quem não arreda o pé da briga por direitos e que, ciente de que só a luta muda vida, continuará sem pedir por favor. 

*Olímpio Rocha é advogado popular, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos e coordenador geral do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura na Paraíba (MEPCT/PB).       
 

Edição: Daniela Stefano