Minas Gerais

Mineração

Em Mariana e Brumadinho, empresa faz o que quer, denuncia MAB

Rompimento da Barragem da Vale completa um mês

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

Ouça o áudio:

"Há uma ausência do Estado como coordenador e ator para garantir direitos, uma postura de submissão ao interesse das mineradoras", diz MAB
"Há uma ausência do Estado como coordenador e ator para garantir direitos, uma postura de submissão ao interesse das mineradoras", diz MAB - Foto: Larissa Costa

No dia 25 de janeiro, o rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, deixou centenas de mortos, desaparecidos e desabrigados, matou o Rio Paraopeba e prejudicou comunidades da região central do estado que dependem da pesca e captação da água do rio. O caso guarda profundas semelhanças com outro crime recente: o rompimento da barragem de Fundão, em 2015, em Mariana. Para comentar este assunto, o Brasil de Fato entrevistou Pablo Dias, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). O movimento tem acompanhado as famílias que sofrem os impactos dos dois crimes ao longo das bacias do Rio Doce, Paraopeba e São Francisco. Pablo faz uma avaliação do primeiro mês após o crime de Brumadinho e alerta: as barragens de rejeitos são verdadeiras bombas-relógio sobre a cabeça da população.  

Brasil de Fato - O que há em comum entre o crime da Samarco (Vale e BHP Billiton) em Mariana e o crime da Vale em Brumadinho?

Pablo Dias – As semelhanças nos deixam muito preocupados. A primeira é a força e a liberdade da empresa em fazer o que bem entende. Ela é quem escolhe os atingidos que vão receber recursos, ela escolhe as ações que vai realizar. Ela deveria ser obrigada a fazer somente o que fosse exigido dela. Também há um controle do território, sobre os direitos que vão ser garantidos, os que não vão ser garantidos, o ritmo da ação das empresas. No início, a Samarco teve um controle muito grande, que depois foi transferido para a Fundação Renova, que é controlada pelas mineradoras. Nos surpreende a repetição dessa situação que levou à violação de direitos, a enrolação que dura até hoje no Rio Doce.

Outra situação parecida é a fragilidade do poder público, nos governos federal, estadual e municipais. No início, alguma preocupação, mas, agora, já colocam a Vale como uma empresa contra a qual não se pode fazer nada. Há uma ausência do Estado como coordenador e ator para garantir direitos, uma postura de submissão ao interesse das mineradoras.

Nos preocupa outra questão: neste primeiro momento, as mineradoras e seus defensores estão acuados, sem moral diante da sociedade, com pouca capacidade de representar qualquer coisa que possa parecer uma solução real. Então, cai a ficha de vários atores sobre o nível de perversidade dessas empresas. Porém, no apagar dos holofotes, essas empresas vão voltar a atuar com seus lobistas no Estado, na Assembleia Legislativa, vão comprar os meios de comunicação, intervir na Justiça. No caso do Rio Doce, o Judiciário cumpriu um papel auxiliar às mineradoras.

Outro fato em comum diz respeito à cena do crime, as motivações e o que está por traz do rompimento da barragem. Tanto Samarco, em Mariana, quanto a Vale, em Brumadinho, aumentaram a produção para garantir o aumento ou permanência dos lucros. Tanto a Samarco estava aumentando sua produção, o que aumentava a produção de rejeito, quanto a Vale em Brumadinho tinha acabado de aprovar a ampliação da mina de Córrego do Feijão. O aumento da produtividade pelo lucro, a não atenção diante do nível do sinal dado pelos técnicos: é aterrorizante que isso continue acontecendo.

No caso da Samarco, embora tenham ocorrido enormes perdas no município de Mariana, a maioria dos atingidos vivia ao longo da bacia do Rio Doce, até o Espírito Santo. Em Brumadinho, houve um número muito maior de pessoas mortas e a lama também matou um rio, o Paraopeba. Vocês já têm uma avaliação dos impactos nas populações ribeirinhas?

As duas barragens causaram danos no epicentro, com um nível de devastação maior, mas deixam rastros para além desses locais. No caso da Samarco, a lama matou rios, destruiu a vida de pescadores, agricultores, limitou o acesso à água em todo o Rio Doce. Isso acontece em Brumadinho também.

Ainda não temos a dimensão do conjunto dos impactos, mas já aparecem sintomas de danos à saúde, como doenças de pele, nas comunidades de Brumadinho. Mas também em Mario Campos, Citrolândia, Esmeraldas, Pará de Minas, Pompéu, as pessoas que dependiam da pesca como fonte de renda não têm mais essa fonte. Existem agricultores nos primeiros 270 quilômetros sem acesso à água. A cidade de Betim foi muito prejudicada. Eles acionaram outros reservatórios. Enquanto chove bastante, tudo bem. Mas, com a seca, os 40% de água que vinham do Rio Paraopeba podem fazer falta.

Três municípios que dependiam da captação de água do Paraopeba e outros da Região Metropolitana estão prejudicados. As hortas e o abastecimento de água para o gado estão comprometidos. Acampamentos de reforma agrária já não têm mais água após o rompimento da barragem.

Ainda temos a situação dos pescadores da represa de Três Marias, que estão apavorados. E, abaixo de Três Marias, no Rio São Francisco, há cinco estados atingidos, caso a lama chegue ao rio. Já estamos fazendo um trabalho na Bahia, Pernambuco, Sergipe, Alagoas. Na região do semiárido, a questão da água já é muito delicada.

Com base nesses dois casos, podemos dizer que as barragens atingem não apenas os moradores das imediações, mas toda a população?

Sem dúvidas. As barragens são bombas-relógio que estão sobre a cabeça da população que vive próxima e de todos os que vivem no entorno dos rios e mananciais, os que dependem do acesso à água, dos peixes. Temos visto as últimas evacuações. Muitas pessoas que moram no entorno dos rios sequer sabem que a lama pode chegar até elas, a própria população que é ameaçada não tem noção.

Temos acompanhado as três cidades que foram evacuadas. Em Congonhas, mais de 1500 famílias teriam apenas oito segundos para fugir, em caso de rompimento da barragem. Em Sarzedo, a barragem de rejeitos foi proibida. Em Paracatu, existe uma barragem de mineração de ouro que também pode atingir o Rio São Francisco e mais de 500 famílias que moram logo abaixo e com um nível tóxico maior.

Temos acompanhado outras situações de medo, desespero, pavor das populações. Isso vai demonstrando que boa parte da população está sob um grande risco sem saber. E todo esse risco está vinculado à busca pelo lucro fácil e mais rápido das mineradoras, não prestando atenção ao essencial: vidas humanas, meio ambiente, um projeto de desenvolvimento que coloque as mineradoras a serviço da população.

O secretário de Desestatização do governo Bolsonaro, o empresário Salim Mattar, disse que quer “reprivatizar a Vale”. Como vocês interpretam essa declaração?

É uma visão equivocada. A Samarco é controlada pela Vale e a BHP, as duas maiores mineradoras privadas do mundo. As duas atuam com lógica privada, fundamentada por seus acionistas. Nenhuma das duas foi capaz de limitar o processo de produção e garantir estruturas eficientes para impedir o rompimento da barragem de Fundão. Da mesma forma, no Pará, uma empresa privada deixou uma barragem romper no ano passado. Outras empresas privadas, inclusive em outros ramos, fazem o mesmo.

É muito simples essa equação: quando a lógica de construção de uma empresa é definida por acionistas privados, ela vai acelerar o processo de exploração e flexibilizar as garantias de segurança em função do lucro. Essa é a lógica das empresas privadas como um todo, no mundo todo. Somente uma empresa controlada pelo povo tem a possibilidade de fazer mineração e não deixar que essas coisas aconteçam.

“Reprivatizar” é uma solução mágica que não resolve nada. A solução passa por reestatizar e colocar sob controle popular, deixando o povo ser protagonista na definição do ritmo da exploração, se vai ou não construir uma barragem, se vai ou não explorar a seco, acelerar ou não a produção.

Edição: Elis Almeida