Coluna

O Supremo Tribunal Federal desafiado

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"Está nas mãos do STF e dos setores responsáveis da política nacional o destino do País, que parece ser governador por insanos".
"Está nas mãos do STF e dos setores responsáveis da política nacional o destino do País, que parece ser governador por insanos". - Foto: STF
Ou o STF lança mão definitiva de suas atribuições constitucionais, ou perecerá.

Martonio Mont’Alverne Barreto Lima*


Pela qualidade das acusações contra Michel Temer, sabe-se que ele tem todos os motivos para ser preso. Pelo menos desde os dois pedidos de instauração de processo de perda do cargo de presidente da República, negados pela Câmara dos Deputados, havia indícios sólidos de sua participação criminosa em sistema de recebimento de propinas. Na decisão do Juízo da 7ª Vara Federal no Rio de Janeiro, a prisão de Temer decorre do que foi apurado nas operações Pripryat e Irmandade, vinculadas ao caso da construção da Usina Nuclear Angra 3.

Michel Temer, ex-presidente da República, que não se furtou a depor – sequer fora intimado – possui endereço fixo, não ameaça  deixar o País, acha-se preso desde o dia 21 de março de 2019.  Se ele pratica continuadamente o crime de lavagem de dinheiro há 40 anos, deveria ter sido preso logo após entregar ao seu sucessor o cargo de presidente da República. Se a delação de José Antunes Sobrinho, da empresa Engevix, não fora usada contra Temer pela Operação Lava Jato de Curitiba, em 2016, não deveria servir para a mesma Operação do Rio de Janeiro, levada a cabo pelo mesmo Ministério Público Federal. Em 2016, era fundamental preservar Michel Temer para o golpe contra a democracia brasileira, e que removeu Dilma Rousseff da Presidência da República.

Três grandes nomes do pensamento constitucional e político contemporâneo nos advertiram do prejuízo que qualquer sociedade paga quando o Direito é usado como arma política contra adversários. Ernst Fraenkel publica em 1938 o seu conceito de “Estado dual”, onde disserta um “Estado normativo” e outro de “prerrogativas”. Franz Neumann responde por um dos clássicos sobre o nazismo na Alemanha, e sua atuação sobre instituições, com a obra “Behemot”, em 1942. Otto Kirchheimer produz o excelente “Justiça Política” em 1961, onde lembra a tragédia que se opera quando a “neutralidade da Justiça passa ser apenas um mito“.

O Direito como arma política contra adversários exige especial atenção dos observadores da cena jurídica e política, mas principalmente de quem está no jogo político. O “halo” de justiça que traz o Direito não é facilmente respondido pela vítima da perseguição: a alegação será sempre que se deu o que estava na lei, portanto, no Estado de Direito. E a arma política realmente estava no Direito, devidamente validada. Requer-se certo domínio do manejo intelectual para que se compreenda a complexidade do que está em disputa, o que, como se sabe, não é o caso da grande maioria da população de qualquer sociedade mesmo aquelas com mais tempo de formação geral.

A prisão de Michel Temer bem retrata o uso do Direito como arma política contra adversários, comum nos últimos cinco anos da realidade institucional brasileira. Ao lado da condução coercitiva de Lula, de seu julgamento, da destituição da presidente Dilma Rousseff e da prisão de Lula, talvez este seja o mais importante dos casos de confirmação da justiça política, tão caro a Otto Kichheimer.

O Supremo Tribunal Federal (STF) e outros tribunais assistiram e consentiram com os abusos e arbítrios da Operação Lava Jato por cinco anos. Recusando-se a usar suas competências constitucionais e legais – desprezando suas próprias funções institucionais, o que enfraquece sua própria institucionalidade –, o Poder Judiciário de instância superior não aplicou as correções democráticas legais contra juízes e membros do Ministério Público que abusaram do Direito em favor dos holofotes e de grupos midiáticos. Ao contrário, celebraram o delírio generalizado como a “refundação da nação”, relativizando cláusula pétrea constitucional, como a presunção da inocência.

Em outras palavras, especialmente o STF ignorou a sapiência de Shakespeare de que o perdão encoraja o pecador. Não corrigindo o pecador a tempo, este mesmo pecador devora o STF. A atualidade de Neumann: o Behemot, monstro da destruição, engole o Leviathan, que é aquele construtor do poder do Estado.

Quando o STF começa a dar sinais de que pode rever decisões das instâncias inferiores, no âmbito da Operação Lava Jato, como no caso da competência para julgamento de crimes eleitorais pela Justiça Eleitoral, a resposta vem a galope contra o mesmo STF.

Integrantes do STF são, publica e violentamente, agredidos nos ambientes das redes sociais, como se tal atitude nada significasse para a democracia brasileira. Desvariados parlamentares, sem qualquer importância política, ou detentores de conteúdo civilizatório mínimo, apregoam ameaças pessoais a ministros do STF como nunca se viu antes no Brasil.

Parece ter chegado nosso momento decisivo. Está nas mãos do STF e dos setores responsáveis da política nacional o destino do País, que parece ser governador por insanos. Ou o STF lança mão definitiva de suas atribuições constitucionais, ou perecerá. Embora já seja tarde, o prejuízo poderá vir a ser menor para a democracia se o STF resistir e mostrar à sociedade que ainda é capaz de guardar a Constituição e as leis. 

Martonio Mont’Alverne Barreto Lima é professor titular da Universidade de Fortaleza e procurador do Município de Fortaleza (CE).

Edição: Cecília Figueiredo