Coluna

O falso Turco

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Quando completei 15 anos, fui trabalhar na loja dele, onde aprendi um pouquinho de árabe, que depois esqueci.
Quando completei 15 anos, fui trabalhar na loja dele, onde aprendi um pouquinho de árabe, que depois esqueci. - Pixabay
Lé...Turco não toca pros outros dançar. Turco dança enquanto os outros tocam...

Sempre que ouço falar do pão-durismo dos “turcos”, eu me lembro do seu Miguel, que não tinha nada de pão-duro. Ele não era turco, era libanês. Pra começar, lembro que no início do século XX, vieram para o Brasil muitos libaneses, sírios e outros povos do Oriente Médio para o Brasil, e como toda aquela região era dominada pela Turquia, eles tinham passaporte turco, por isso eram chamados de turcos.

Muitos não gostavam, mas tinham que se acostumar. O Miguel Turco, que como eu disse era libanês, não ligava. Quando completei 15 anos, fui trabalhar na loja dele, onde aprendi um pouquinho de árabe, que depois esqueci. Eu gostava de ver quando algum pobre ia comprar qualquer coisa. O sujeito perguntava o preço, o seu Miguel olhava a etiqueta e falava quanto era. Por trás, eu reparava que o preço que ele dava era o de custo, que vinha marcado em árabe. E nem mesmo acrescentava ao custo os impostos e a despesa com transporte. Não se exibia, não transformava essa ação em “caridade”, não humilhava o sujeito que não podia pagar os preços normais de uma roupa, por exemplo. Nunca ficou rico. Mas foi um homem feliz, todo mundo gostava dele.Um filho do seu Miguel, o Zé Turquinho, era igual a ele, generoso, não ligava para dinheiro. E tinha algo mais: era chegado à vida boêmia e a tudo relacionado a ela, como a música e as farras.

O Zé Turquinho se casou com uma das minhas irmãs. Um tio dele, seu Calixto, o convenceu a deixar Nova Resende e ir para o Triângulo Mineiro, que crescia muito enquanto o sul de Minas estava em plena decadência, na década de 1960.

Escolheu a cidade de Canápolis, pequena mas que deveria crescer muito na avaliação do seu Calixto. Quem tivesse uma loja lá, para abastecer as pessoas que iam chegando, ficaria rico, muito rico. Pra começar, Canápolis não cresceu tanto. E o Zé Turquinho nunca foi um cara de se dedicar muito a ganhar dinheiro. A simples mudança de cidade não mudou seu estilo de vida. Logo de cara se enturmou com o pessoal da banda de música local e assumiu a vaga de “tocador” de algum instrumento, que não me lembro qual era. O seu Calixto ficou inconformado. Um dia chamou o sobrinho para uma conversa séria e falou:
—Lé...Turco não toca pros outros dançar. Turco dança enquanto os outros tocam...
 

Edição: Michele Carvalho