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As almas livres do jongo

O jongo se tornou um patrimônio cultural brasileiro em 2005

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Mesmo sob um regime brutal, os escravizados usavam a dança para expressar os desejos de todo um povo
Mesmo sob um regime brutal, os escravizados usavam a dança para expressar os desejos de todo um povo - Acervo Jongo da Serrinha
O jongo se tornou um patrimônio cultural brasileiro em 2005

No meio de uma roda, formada por pessoas cantando, batendo palmas e tocando tambores, um homem e uma mulher giram no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. Entre um giro e outro, seus corpos se aproximam e os umbigos quase se tocam, então o casal se separa novamente, dando início a novos rodopios.

Essa dança circular leva o nome de jongo. Uma das expressões culturais afro brasileiras que, com toda certeza, mais expressam a incrível capacidade de resistência dos negros que chegaram em terras brasileiras como mão de obra escrava.

Apesar de ter nascido no Brasil do século XVIII, a dança carrega em sua essência influências de outras práticas culturais trazidas por africanos vindos do Congo e de Angola.

Naqueles tempos, os negros buscavam amenizar o sofrimento de seus corpos escravizados dançando e cantando sob o som de seus tambores, como explica a historiadora e urbanista Alessandra Ribeiro. "Então é uma brincadeira cantada, que na época da escravidão servia como ritmo de trabalho, como articulação de resistência, como fuga, para troca de informações e que tinha como ênfase a brincadeira cantada metafórica”.

As canções que embalavam as rodas de jongo eram carregadas de metáforas, a forma que os negros encontraram para se comunicar entre si, sem que o senhor branco conseguisse entender.

Como a demanda por mão de obra escrava foi maior nos estados do Sudeste brasileiro, essa manifestação cultural nasceu e se consolidou nessa região, principalmente nas fazendas de cana-de-açúcar e café do Vale do Ribeira. Naquela época, os negros só podiam dançar o jongo nos dias de santos católicos.

Hoje as comunidades jongueiras preservam a história e a memória dessa tradição. Nesses locais, é possível encontrar familiares de pessoas que sempre praticaram o jongo e compartilharam seus conhecimentos com os mais novos. 

A questão da tradição familiar é um dos elementos que caracterizam a dança e além desse, Alessandra, que também é liderança da Comunidade Jongo Dito Ribeiro, na cidade de Campinas, em São Paulo, fala sobre outros. “E ele também está ligado a um território. Então, por exemplo, no Estado de São Paulo nós temos a comunidade de Tamandaré, que fica na cidade de Guaratinguetá, que é a mais antiga comunidade jongueira do nosso estado. Outro é a forma metafórica de cantar, são os toques e a própria dinâmica da dança. O jongo é uma dança ritualística.”

Assim como foi no passado, o jongo hoje ainda é resistência. As comunidades que o praticam dançam e cantam as alegrias, desejos e dificuldades do cotidiano.

Dentro da roda do jongo todo mundo é bem vindo! Alessandra explica que além dos movimentos dos corpos, dos cantos e tambores a beleza da dança também está no ato de compartilhar os ensinamentos. “ É uma manifestação muito acolhedora, os mestres jongueiros são sempre muito abertos a contar os seus saberes, a compartilhar suas histórias”.

Em um dos momentos mais tristes que marcaram a história do Brasil, o jongo é a prova que o senhor branco escravizou apenas os corpos dos negros, a força do desejo e da identidade deles seguem livres até hoje. 

Espetáculo apresentado pelo Grupo ABADA capoeira no Teatro GACEMSS, Volta Redonda (RJ)
Imagens de Flávia Melo.

Edição: Tayguara Ribeiro