Mas eu lamento também a falta de trens de passageiros
Há muito tempo que eu reclamo de uma coisa que outras pessoas também reclamam: a liquidação das ferrovias brasileiras. Tudo começou no governo Juscelino, que para atrair a indústria de automóveis e caminhões para o Brasil privilegiou o transporte rodoviário, abandonando as ferrovias.
Na ditadura, a coisa só piorou, as ferrovias foram sendo sucateadas. E a coisa se completou no governo Fernando Henrique, nos anos 1990. Ele privatizou as ferrovias por preços ridículos, e muita gente crédula e boba acreditou que aí elas iam melhorar. Mas o que aconteceu foi que os empresários acabaram de vez com quase todo o transporte ferroviário de passageiros.
Mantiveram só o transporte ferroviário de cargas, e assim mesmo só as que dão muito lucro. Regiões que dependiam do transporte ferroviário, como o Pantanal mato-grossense, de repente se viram sem ter como viajar nem mandar sua produção para os centros consumidores. Até linhas com uma demanda enorme de passageiros, como a de Campinas a São Paulo, São Paulo ao Rio de Janeiro e Rio a Belo Horizonte foram paralisadas. Um crime.
Na greve dos caminhoneiros do ano passado, vimos um resultado dessa política de transportes, a falta que as ferrovias fazem. Foi um desabastecimento enorme, e muitos produtores de aves, ovos e alguns outros produtos perderam sua produção por não ter como mandar para os centros consumidores, que por sua vez estavam à míngua. A dependência do transporte rodoviário de cargas é um problema.
Mas eu lamento também a falta de trens de passageiros. Sou mineiro e mineiro gostava de trem. Gostava tanto que até hoje chamamos tudo de trem. Panelas e pratos, por exemplo, são trens de cozinha. Tem trem de escritório, trem de matar mosquito, trem de tudo quanto é tipo.
Doença é um trem, e remédio também é. Já vi um sujeito falar que teve um trem na barriga, o farmacêutico receitou um trem para ele beber e sarou. E mulher bonita é trem bão ou trem doido.
A única coisa que mineiro não chamava de trem, sabem o que é? O trem mesmo, trem de ferro. Numa estação de uma pequena cidade de Minas Gerais, uma família estava na plataforma, com as malas no chão, esperando o trem e, quando ele apontou na curva, o marido falou para a mulher:
— Muié... Pega os trem que lá vem o baita.
Edição: Michele Carvalho
