Podcast

O semáforo da minha rua me odeia?

Nosso cérebro presta mais atenção nas informações favoráveis às nossas crenças

Ouça o áudio:

"Quem sabe eu era vítima da gracinha dos deuses, que me vigiavam e rolavam de rir toda vez que fechavam o sinal bem na minha cara?"
"Quem sabe eu era vítima da gracinha dos deuses, que me vigiavam e rolavam de rir toda vez que fechavam o sinal bem na minha cara?" - Foto: Reprodução
Nosso cérebro presta mais atenção nas informações favoráveis às nossas crenças

A cem metros da minha casa há um semáforo. Durante algum tempo tive certeza que ele me odiava. Bastava eu sair de moto e logo dava de cara com o sacana fechado. Várias vezes ele só esperou minha aproximação pra ficar vermelho, bem antes de eu conseguir passar por ele. Era comum, quando atrasado e com pressa, que eu xingasse muito aquele objeto inanimado. Com a certeza do quão injusta era a perseguição que ele me fazia, por nunca estar verde quando eu precisava.

Será que meu ódio era justificável? Ele me perseguia mesmo? Ou quem sabe eu era vítima da gracinha dos deuses? Que me vigiavam e rolavam de rir toda vez que fechavam o sinal bem na minha cara?

Provavelmente, você já passou por situação parecida. Quando isso ocorre, eu e você somos vítimas de um fenômeno psicológico bastante interessante, o chamado “viés de confirmação”.

Nosso cérebro evoluiu de modo a nos fazer prestar mais atenção e dar mais importância para informações favoráveis às nossas crenças, e ignorar aquilo que as contradiz. Por sermos animais que vivem em grupo, tal característica foi favorável ao reforçar a coesão do bando. Além disso, tendemos a olhar para a realidade e categorizá-la de modo simplista. Por exemplo, ao ouvir o barulho de passos no escuro se conclui que há ali um predador. Quanto mais rápida essa conclusão ocorrer, maior será o sucesso na fuga se de fato ela for necessária. Tais mecanismos podem explicar o desenvolvimento evolutivo que tornou nossos cérebros máquinas de nos fazer acreditar no que queremos acreditar.

A psicologia já estuda o viés de confirmação há algumas décadas. Saber que ele existe é o primeiro passo para que possamos, racionalmente, nos policiar e evitar que sejamos manipulados por ele. A ciência, ao trabalhar com números e testar experimentalmente hipóteses, nos ajuda nesse desafio.

Um dia decidi marcar o tempo do semáforo. Descobri que ele fica aberto 25 segundos e fechado 1 minuto e meio. O que faz bastante sentido, já que a rua que corta a minha é bem mais movimentada. Em 21,7% do tempo o sinal fica verde e 78,3% vermelho. Ou seja, é provável que a cada cinco vezes que saio de casa, em aproximadamente quatro encontre o sinal fechado.

Mas, meu cérebro não deu atenção às poucas vezes em que passei ali e o sinal estava aberto. Preferiu focar nas demais, pois isso reforçou em mim o papel de vítima de uma enorme injustiça. O que é uma ótima autojustificativa para esconder o fato de eu estar sempre atrasado ao sair de casa.

Um abraço e até a próxima!      

Edição: Elis Almeida