Coluna

A perigosa história dos jardins botânicos ao redor do mundo

Imagem de perfil do Colunistaesd

Ouça o áudio:

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o primeiro do Brasil, aberto em 1808, com a chegada de d. João VI; registro é da década de 1890
O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o primeiro do Brasil, aberto em 1808, com a chegada de d. João VI; registro é da década de 1890 - Juan Gutierrez/Museu Histórico Nacional
Em guerras, variedades botânicas eram parte do tesouro recolhido por vencedores

Hoje, os jardins botânicos são lugares de conhecimento, de relaxamento e proximidade com a natureza. Nem sempre foi assim. A história dos jardins botânicos ao redor do mundo está intimamente ligada à história da Botânica das disputas políticas e econômicas e conhecimento humano.

Continua após publicidade

Da China aos gregos da Antiguidade, a ideia de recolher num só lugar espécies de várias localidades foi uma constante. Arqueólogos encontram vestígios de antigos jardins de plantas no Egito Antigo, em Creta, na Mesopotâmia, no México. Todos esses jardins, tinham, primeiramente, uma função medicinal. As plantas, na época, eram remédios.    

Essa seleção humana de plantas também esteve ligada às guerras por territórios, em que uma vez conquistado o inimigo era preciso recolher os tesouros – entre eles estavam diversas variedades botânicas que poderiam se transformar em alimento, entretenimento, remédio ou deleite visual.

Dessa forma, com o tempo, os jardins de palácios passaram a receber espécies de diferentes lugares, algumas vezes transformando-se eles mesmo em pequenos e privados jardins botânicos.  

Continua após publicidade

Nos séculos XVI e XVII, na Europa, a ideia de se cultivar jardins medicinais se espalhou pelo continente. Em alguns lugares, as plantas eram expostas como troféus de guerras; em outros ganhavam contornos de lazer e desfrute. 

Em Paris, nesse período, o médico de Luís XIII, Guy de La Brosse, foi o criador de um desses Jardins Medicinais, inicialmente usado para remédios e fármacos, que se transformaram com o tempo em um vistoso Jardim Botânico, que hoje se chama Jardin des Plantes e fica localizado num bairro do centro da capital francesa.   

Foi apenas no século XVIII quando o Iluminismo tomou conta dos corações e mentes da Europa, que os jardins medicinais se transformaram em locais de estudo e ciência. 

O filósofo Jean-Jaques Rousseau ajudou a difundir a ideia de exaltação da natureza, que contribuiu tanto para alertar para a necessidade de se plantar árvores na cidade como para a criação de um lugar de estudo de plantas. A aclimatação de plantas tornou-se uma ciência e se desenvolveu ao lado da botânica.  

Nesse furor científico que acometeu a Europa no período, a influência do botânico, zoólogo e médico sueco Carlos Lineu (1707-1778) foi dominante. Lineu criou um sistema de classificação de todas as coisas vivas, plantas ou animais.

Seu método foi muito eficiente para agrupar semelhantes e distinguir diferenças biológicas, ajudando outros pesquisadores em pesquisas. Em Uppsala na Suécia restaurou, em 1741, de acordo com seu sistema de classificação, o Jardim Botânico de sua Universidade, recolhendo espécies de todo o mundo e interagindo com outros cientistas. 

Na Inglaterra em 1840 foi inaugurado o Kew Gardens, um dos maiores jardins botânicos do mundo, com 8,5 milhões de espécies de todo o globo. Desde 1772, o Kew Gardens era uma reunião de jardins de nobres, que já trazia a ideia de colecionar plantas e dispô-las de maneira ordenada.

A enorme variedade de plantas e seu contínuo aumento de espécies traduzia o poder econômico inglês da Revolução Industrial no século XIX. Com a Inglaterra dominando o mundo, espécies raras e remotas eram trazidas para serem aclimatadas e desenvolvidas ali.  

Mas a parte científica era apenas uma das funções do Jardim Botânico. Conforme as viagens marítimas aumentavam, a troca de espécies valiosas tornou-se um negócio lucrativo. Plantas podiam se transformar em commodities preciosas e esse processo se intensificou no século XVIII. Se a guerra de conquista tradicional não funcionava, podia-se dar outros jeitos.

Por isso, o açúcar, o café, o chá e o chocolate foram aclimatados em diferentes partes do mundo, transformando-o de maneira irreversível.  

A guerra pelas plantas podia também se tornar violenta e perigosa, com navios piratas contrabandeando espécies por todo o globo. Foi dessa maneira que as folhas de chá chegaram à China, numa tentativa inglesa de adaptar a planta originária da Índia.

Foi dessa maneira também que a cana-de açúcar foi parar nas Antilhas e no extremo oriente. Ou que o café veio dar no Vale do Paraíba no começo do século XIX.  

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o primeiro do Brasil, aberto em 1808, com a chegada de d. João VI ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. O local escolhido era uma antiga fábrica de pólvora, propriedade de Rodrigo de Freitas, que dava nome a uma grande lagoa na região.  

Desde de sua implementação o propósito era claro. No decreto de criação de 1811 estava escrito que dom João "manda tomar posse do engenho e terras denominadas da Lagoa Rodrigo de Freitas, para criar naquele espaço o Jardim de Aclimação, com a finalidade de aclimatar as plantas de especiarias oriundas das índias Orientais: noz moscada, canela e pimenta do reino".  

As primeiras mudas eram de especiaria contrabandeadas de várias partes do mundo. Mas dom João VI tinha um plano econômico, trazer eram mudas de chá, Camellia sinensis, para transformar o país num produtor e exportador de chá, quebrando o monopólio chinês.

Com as mudas vieram 300 chineses, encarregados de plantá-las e cuidar de sua aclimatação no país – mas estava é uma outra história, para outra ocasião. 

O certo é que o jardim botânico era tão importante para o país que ele foi criado subordinado ao Ministério dos Negócios de Guerra até que, em 1822 passou a fazer parte do Ministério dos Negócios do Reino, explicitando sua função econômica.

Em 1809 estoura uma crise do governo português com a região que conhecemos hoje como Guiana francesa. D. Rodrigo de Souza Coutinho, então Conde de Linhares e ministro de guerra e relações exteriores, estava decidido em levar à “ruína total” aquela colônia mesquinha.

Outro político da época, Manuel Arruda Câmara, médico e botânico tinha outras ideias e achou que o jardim de aclimatação de lá era de grande valor para o Brasil e devia ser preservado.

Assim foi feito e chegaram aqui as primeiras mudas de noz moscada, cravo, fruta-pão e possivelmente carambola e fruta-do-conde.  

As enormes alamedas dos Jardins Botânicos, com suas espécies vicejantes, suas árvores sensacionais, sua calma e flores exuberantes, escondem uma história intrincada, de saques, pirataria, planos econômicos mas também e ciência, vida e arte.

Edição: Rodrigo Chagas