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Equador: como será a pátria pós-coronavírus?

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Posse do Presidente do Equador: Rafael Correa - Acervo: Governo do Equador
em plena pandemia do coronavírus, o Equador é o primeiro país a ser brutalmente atingido na América

As imagens que chegam do Equador são aterradoras. Guaiaquil parece se tornar, inadvertidamente, o cenário que Walter Benjamin narrou em suas “Teses sobre o conceito da história”: “todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão” (tese 7). É evidente que Benjamin, em 1940, não conhecia Guaiaquil, quiçá nem mesmo ouvira falar do Equador. O ano do texto, por sua vez, é o ano do suicídio de Benjamin. Em 1941, porém, o anjo da história parece reencarnar em um equatoriano: Bolívar Echeverría. Echeverría estudou na Alemanha (uma espécie de autoexílio nos anos de 1960) e se aficcionou por Benjamin, em especial por suas teses sobre a história. Via nelas a conciliação de messianismo e utopismo que ele, Echeverría, traduziria nos conceitos de “mestiçagem cultural” e “ethos barroco”. Trocando em miúdos, a história é conflito, ruptura e resistência, para nós latino-americanos.
 
Pois então, o Equador precisou chegar aos anos 2000 para ver o “ethos barroco” ter algum tipo de vitória. Um presidente progressista, uma nova constituição e o país na vanguarda do continente marcam o período. Rafael Correa, eleito e reeleito (em 2007 e 2013), consegue emplacar um candidato à sucessão e, em 2017, assume Lenín Moreno, seu vice-presidente. O Equador, no projeto da ALBA, parecia consolidar sua “revolução cidadã”. No entanto, o anjo da história vem cobrar sua mirada e o país assiste à capitulação de Moreno ao neoliberalismo.

Agora, em plena pandemia do coronavírus, o Equador é o primeiro país a ser brutalmente atingido na América Latina. Não só o sistema de saúde, totalmente desassistido devido às reformas austericidas pós-2018 (ano do rompimento total entre Correa e Moreno), mas também o sistema funerário equatorianos faliram. Na mencionada cidade de Guaiaquil, as pessoas incineram seus mortos na rua, por medo do terrível COVID-19. Assim, o ser humano perde um pouco de sua humanidade, por força também do desmonte do estado e da face mais vil do capitalismo.

Ontem, Guilherme Daldin, em nossos diálogos político-musicais, apresentou sua bela reflexão sobre a solidariedade que vem dos movimentos populares do campo, no Brasil, apontando para o sonho (meio utopista, meio messiânico, como nos diria o latinoamericamente benjaminiano Echeverría) dos que imaginam um futuro mais humano, tanto para os que vivem quanto para os que se vão. Como sentenciou o marxismo profético de Benjamin, “os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer”. No Equador isto vem se dando da maneira mais cabal. Por isso, a canção do grupo “Pueblo Nuevo” – o principal exemplo equatoriano que integrou, desde 1975, o movimento da canção de protesto do continente – composta por ocasião da tentativa de golpe contra Correa, em 2010, se apresenta tão emocionante, aos olhos do “historiador” de hoje. Na versão que aqui faço questão de visibilizar, ela é cantada pelos “Niños Cantores del Pueblo” (projeto que, em Quito, já acolheu mais de 300 crianças em situação de rua e inseridas no trabalho infantil), no dia da posse do segundo mandato presidencial de Correa. O canto da garotada é angelicalmente perfurante (mas mais ingênuo que o olhar do anjo da história de Benjamin): “¿Cómo será la patria?”, perguntaram os irmãos Galo e Miguel Mora (seus compositores e integrantes do “Pueblo Nuevo”); os “Niños” parecem responder, como ao final da canção: “Patria de dignidad y luz combatiente, patria de juventud con alas al viento, Patria por siempre libre e independiente. Patria, revolución y renacimiento”. É o que todos nós, utopicamente (no melhor sentido da expressão), desejamos ao Equador. E que Deus proteja a América Latina!

CANÇÕES PARA A PANDEMIA: Esta é uma série de diálogos diários de Guilherme Daldin e Ricardo Prestes Pazello sobre música e conjuntura em tempos de pandemia, para resistir ao confinamento. Desde 17 de março, estamos trocando cartas virtuais no “Facebook” e divulgando nas redes sociais. A carta de hoje é de Ricardo Prestes Pazello, professor da UFPR, músico amador e militante da Consulta Popular.

Ouça a música citada acessando o link do YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=YdPmA_HPrM0

Edição: Lucas Botelho