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As armadilhas do discurso de Bolsonaro após a renúncia de Sérgio Moro

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Bolsonaro fez pronunciamento nesta sexta-feira (24) após renúncia do ministro da Justiça Sérgio Moro - Evaristo Sá/AFP
No fim das contas, um discurso cheio de argumentos para os grupos de WhatsApp Brasil afora

Tive um acalorado debate com amigos após a declaração de Bolsonaro hoje, na tarde do dia 24 de abril de 2020. Parte importante deles classificou como “horrível” o pronunciamento. Segundo eles, Bolsonaro não falou nada com nada, assim como não respondeu às questões trazidas por Moro. É verdade? É claro que é. Apesar de apresentar um discurso mais organizado que o de costume, o que não é difícil para ele, Bolsonaro falou um monte de asneiras. Como de costume, também, nós, da esquerda, mantivemos a linha de análise que sempre fazemos dos discursos de Bolsonaro desde a campanha eleitoral.

O que esta parte dos meus amigos não parece entender é a forma como o discurso desta direita se construiu e se constrói no Brasil. Bolsonaro, como sempre, falou direcionado para uma base barulhenta que o sustenta. Em um só discurso falou de: aborto, cristianismo, gastos excessivos dos “políticos”, elogiou várias vezes a Polícia Federal, defendeu taxistas e caminhoneiros ao criticar o INMETRO e, como cereja do bolo, repetiu por diversas vezes sobre a facada que recebeu de um “assassino” e que poderia ter morrido. Tudo isso envolto a um discurso de suposta traição de Moro, que aparecia como um herói, mas, no fim das contas, só queria construir sua candidatura para 2022 ou a vaga no STF, como o próprio Bolsonaro fez questão de frisar.

No fim das contas, um discurso cheio de argumentos para os grupos de WhatsApp Brasil afora. Mas veio a questão: isso tudo é suficiente para segurá-lo? É claro que não. Bolsonaro vem, de alguma forma, minando parte do eleitorado que o elegeu. E a briga com Moro é uma ferida importante na aliança que ajudou a colocá-lo no poder. Mas, isso não pode ser motivo para fecharmos os olhos para a capacidade de comunicação desta parte da direita que está no governo. Eles não ganharam a eleição presidencial de 2018 por acidente.

Ficar repetindo que Bolsonaro é um idiota e que só faz besteira é ótimo para nos manter otimistas. Assim como também é ótimo ver as divisões do lado deles. Mas fechar os olhos para o fato de que Bolsonaro fez exatamente o que faz desde o início do seu governo, que é dialogar com sua base, não nos ajuda. Precisamos, no campo progressista, entender melhor como se dão as relações dentro do lado deles. Olhar para a política apenas como estamos acostumados a olhar não contribui com a realidade. E, por tabela, não contribui para o fortalecimento das forças progressistas na correlação dentro da sociedade.

Bolsonaro parece perder forças com tudo isso? Aparentemente sim. Mas a queda não é iminente. Grande parte da sua base continuará se alimentando com esta narrativa de perseguição e de combate a corrupção. Ou entendemos isso ou continuaremos errando. Isso se não considerarmos o risco, inclusive, de um fechamento do regime nos próximos meses. Não vivemos tempos normais da política. E isso precisa ficar bem evidente.

Edição: Marcos Barbosa