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Bolsonaro é péssimo pai

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"Sem espelho doméstico, seus filhos fizeram o que estava ao alcance e repetiram padrões aprendidos em casa" - Mauro Pimentel/AFP
Suas crias são problemáticas, cheias de ódio, além de responderem a investigações e processos

 

Não se deveria misturar família com política, público com privado, negócios de Estado com interesses do clã. Um presidente pode ser excelente pai e péssimo líder. Pode ocorrer também o contrário. Mas numa sociedade moderna ninguém deveria ter nada com isso e cuidar de sua vida, deixando os negócios públicos para o momento adequado.

Numa eleição, trata-se de escolher o governante, não um chefe de família. No entanto, foi o próprio Jair Messias Bolsonaro que abriu a porteira para essa aproximação indevida.

Afinal, família para ele é mais que um núcleo de pessoas do mesmo sangue e unidas pelo afeto, é sua principal bandeira moral e política. Além disso, foi ele quem trouxe os filhos, numerados de um a quatro, para a proa do debate público. O eleitor escolheu um Bolsonaro e levou quatro de contrapeso.

Já consagrado como o pior presidente da história brasileira e liderando a relação internacional do mais despreparado e tóxico líder contemporâneo, Jair não precisa mais ter suas limitações de homem público expostas. Sua conduta na crise sanitária do país tem rendido a ele a repulsa universal, o que escorre, infelizmente, para o povo brasileiro, que assume a posição de pária do qual se deve manter distanciamento.

De boca própria, ele mesmo já afirmou que preza a ditadura e os torturadores, que não liga para vidas perdidas e que negros e quilombolas devem ser pesados em arrobas. Não acredita na ciência, detesta cultura e tem amor pelas armas. Incapaz de argumentos lógicos e discursos civilizados, destaca-se pela grosseria. Meio ambiente para ele é excremento de fóssil que atrapalha os negócios. A lista segue – e só piora –, mas não tem novidades.

É como pai, no entanto, que o homem Bolsonaro se mostra pior do que parece como presidente. Ele não fez bem seu dever de casa. Suas crias são problemáticas, cheias de ódio e outros defeitos de caráter, além de envolvidas seguidamente em malfeitos pelos quais respondem a investigações e processos. Sem espelho doméstico, fizeram o que estava ao alcance e repetiram padrões aprendidos em casa.

O senador Flávio, que puxa a fila, está envolvido com rachadinhas de seu tempo de deputado estadual no Rio de Janeiro. Tinha o sumido Queiroz como assessor, entre outros nomeados que ostentam mais itens na folha corrida do que no currículo, inclusive proximidade com milícias. Orgulhoso dos seus funcionários, condecorou até mesmo um servidor que estava preso. Zero-um tem rendimentos acima de seus proventos, responde a inquéritos diversos e levou o pai a criar uma crise institucional para obstruir investigações legítimas.

O zero-dois, Carlos, candidamente apelidado de Carluxo, é ponta de lança no esquema das fake news, comandante de esquadrão de ameaças virtuais a opositores e gerente do chamado “gabinete do ódio”. Vereador pelo Rio de Janeiro, é visto mais em Brasília do que na cidade que o elegeu. Tem, como o pai, dificuldade de se expressar, embora tente. Suas postagens são um desafio à decifração.

Eduardo, deputado federal por São Paulo, já fritou hambúrguer nos Estados Unidos e quis voltar à América como embaixador. Gerou uma crise internacional e um vexame familiar. Exibe armas, conspira abertamente contra a democracia e já ameaçou invadir o STF com um soldado raso e um cabo. O zero-três gosta de atacar jornalistas e já decantou a necessidade de um novo AI-5. Nos últimos dias, falou em ruptura iminente e medidas extremas para ferir o Supremo Tribunal Federal. “Não é questão de se, mas de quando”, disse no estilo Carluxo de ser.

O zero-quatro, Renan, ainda é jovem e não tem cargo político. Surgiu publicamente quando o pai enalteceu seus dons de sedutor no enclave onde mora. O filhão, para orgulho do paizão, “ficou” com todas as moças do condomínio, inclusive com a filha de um vizinho. Coincidentemente, trata-se de policial militar acusado de matar a vereadora Marielle Franco. Inconsequente, Renan já foi banido de uma rede social depois de negar a gravidade da Covid-19. O rapaz saiu aos seus.

Os quatro garotos, como a eles se refere o pai, herdaram, não roubaram. Jair foi deputado ausente por quase 30 anos, sem apresentar projetos ou participar de debates relevantes. Tinha prazer em se localizar no baixo clero, mas, sempre rejeitado, nem lá estava entre iguais. Sempre ocupou gabinetes recheados de assessores da mesma extração exibida pelos filhos, inclusive com nomes intercambiáveis entre os Bolsonaros em diferentes níveis de governo. Uma espécie de pacto da rachadinha federativa. Sempre assacou contra a democracia e as instituições em palavras e atos.

A lista de influências paternas no comportamento da filharada segue adiante. Ele tem verdadeira devoção aos Estados Unidos e ao seu presidente Trump, a quem se submete de forma humilhante até que, mesmo escorraçado, elogie o desprezo recebido com inequívoco sadomasoquismo. Seu uso das redes sociais é pautado pelo mesmo roteiro de raiva, mentira e financiamento escuso. Ao falar do gasto com auxílio moradia, disse com escárnio e desrespeito que usou a verba para “comer gente”.

A paternidade é um conceito complexo na teoria psicanalítica, que parece preferir sempre se concentrar na figura da mãe. Mas há algumas questões apontadas por Freud e seus seguidores que são feitas sob medida para a família presidencial. Sobretudo aquelas que apontam para o declínio do Complexo de Édipo e a consolidação de relações saudáveis com o outro.

Como se sabe, a falha na resolução do conflito edipiano pode gerar tanto problemas na vivência da sexualidade, à custa da infelicidade ou do ressentimento, como fazer com que o processo de identificação se desloque para o polo da repressão. O que pode gerar um sujeito realizado ou um repressor empedernido, incapaz de conviver com a diferença. E, o que é mais grave, com o próprio desejo. São pessoas que sofrem por não ser o que gostariam e por isso atacam aqueles que parecem viver o destino que lhes foi barrado pelo medo.

Bolsonaro, psicanaliticamente, fez tudo para estragar seus filhos. E conseguiu. Esses, por sua vez, devolveram o péssimo trabalho psicológico paterno com uma admiração aos defeitos mais salientes do genitor. De acordo com Freud, o pai pode ocupar, no aparelho psíquico do filho, o papel de modelo de identificação como primeiro objeto de desejo, auxiliar ou adversário. Em outras palavras, pode gerar um homem digno ou um canalha.

O brasileiro, mais cedo ou mais tarde (espero que o mais rapidamente possível), vai se livrar do presidente, seja pelo afastamento de qualquer natureza ou, no mais tardar, pelas urnas. Já Jair e os filhos, do 01 ao 04,  vão ter que se dar para sempre. Não chega a ser um consolo, mas uma espécie de justiça. Eles se merecem.

 

Edição: Joana Tavares