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Mulher, pandemia e violência: quem chora pelas vidas perdidas?

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"A violência sobre nós aumentou mais de 40% em todo o mundo". - Alexandre Carvalho/A2img
Mulheres trabalhadoras, pobres, negras, em situação de extrema vulnerabilidade são grupo de risco

Chegando atualmente ao ranking de 2º país com maior número de pessoas adoecidas ou mortas pela Covid-19, tornando-se o epicentro da pandemia, o Brasil carrega consigo a marca estarrecedora de assumir este lugar devido, acima de tudo, à política de higienização social defendida e aplicada pelo atual governo federal (antipopular e genocida), mas ele não é o único. Toda essa ação se deve à relação de acordo e interferência das grandes empresas privadas nas medidas públicas e que deveriam alcançar o povo, a classe trabalhadora, mas que não chegam porque o projeto de morte bolsonarista tem se dedicado ferrenhamente a impedir. Com isso, já ultrapassamos a marca desesperadora de mais de 24 mil mortes num cenário de total negação da pandemia por parte do Estado brasileiro.

Mas, não são apenas esses dados que nos indignam e nos provocam a tomar partido. É aterrador constatarmos que, até em circunstâncias tão desfavoráveis como esta, as mulheres têm sofrido indescritivelmente todas as formas de violência e negação de suas vidas, sendo, então, este momento de isolamento social, mais uma forma de negligenciar e sufocar nossa existência. Apesar dos dados oficiais identificarem que a maioria das mortes por Covid-19 se tratarem de homens, quando trazemos à tona a condição da mulher na pandemia, observamos que somos as que estão na linha de frente, correndo os maiores riscos e passando por processo de sobrecarga de trabalho físico e mental que nos coloca entre as pessoas que mais estão vulneráveis ao adoecimento e a morte.

Já não bastasse tudo isso, constatou-se que a violência sobre nós aumentou mais de 40% em todo o mundo e que os mesmos números se referem ao caso brasileiro e na mesma medida os feminicídios, sendo que em alguns estados brasileiros os casos quintuplicaram. Lamentavelmente, isso só prova o quanto o Brasil tem agravado suas desigualdades e tem colocado a mulher como este ente passível de receber todo o peso seja da mão do estado, seja de parceiros conjugais, seja da família ou religião. Não temos sido tratadas como gente, mas como objetos. 

As violências e mortes por repressão policial nas favelas aumentaram de forma gratuita e legitimada pelo Estado. Só em 2019 o Brasil teve ao menos “5.804 mortes cometidas por policiais na ativa” e em 2020, apesar das regras de isolamento social, este número vem aumentando. Amapá, Rio de Janeiro, Sergipe, Pará e Bahia se encontram, respectivamente na ordem de colocação, como os estados com maior número de mortes provocadas por policiais. Crianças, adolescentes e jovens negras e negros da periferia têm sido alvejadas/os pela segurança pública sem direito a voz e defesa. Às mães tem sido negado o direito ao choro, à dor, à justiça. A falsa política do isolamento social tem mascarado o que há mais de 5 séculos o povo negro e indígena vem sofrendo neste território: a discriminação, a higienização social, a miséria, a separação, a exploração.

Quando somamos todas essas tragédias ao fato de sermos a maioria na linha de frente de trabalhos, sejam os essenciais, sejam os “não essenciais” ou o desgastante trabalho doméstico exercido pelas donas de casa, chegamos à óbvia realidade de que o grupo de risco não se limita somente às pessoas idosas (a maioria mulheres) ou com algum problema de saúde com maior potencialidade de contágio. Acima disso constatamos, que são as mulheres trabalhadoras, pobres, negras, em situação de extrema vulnerabilidade econômica, de saúde, de segurança que se encontram, de fato, em situação de risco.

E a sociedade brasileira (Estado, religião, partidos, famílias, etc.) é completamente negligente e conivente com esse estado de coisas (se forem os/as ditos/as cidadãs/os de bem, mais ainda). Esta cultura negligente e assassina que coloca a mulher (principalmente a mulher negra) numa condição de propriedade privada e, consequentemente, ao trágico lugar de servir ao homem, ao Estado, à família, à religião, aos partidos. Leis avançadíssimas não se aplicam, violências e mortes se tornam absurdamente justificáveis pelos poderes públicos e, nesta pandemia, tudo apenas se agrava num patamar asqueroso e deplorável. 

Os números de desemprego, desqualificação e rebaixamento recaiu com todo seu peso sobre as mulheres e as colocou em condições ainda mais degradantes. Por todos os cantos, no campo e na cidade o que se vê é a super exploração da Mulher trabalhadora. Desde as mais sutis relações nas escolas, igrejas, universidades, nos partidos (de direita e de esquerda), nos sindicatos, movimentos sociais até as relações mais escancaradas da relação Capital X Trabalho existente principalmente no setor privado. São as coerções econômicas, físicas, psicológicas, morais, patrimoniais, etc. Muitos utilizam-se da defesa da vida das mulheres apenas como retórica para não ficar mal com a opinião pública, mas da forma mais descarada e desumana as sobrecarregam, constrangem-nas, desqualificam-nas, violentam-nas, matam-nas. Todos cúmplices e executores de crimes comandados pelo mesmo mentor: o Patriarcado. 

Muitas mulheres estão tombando ou vendo tombarem suas filhas e filhos, neste momento de duras batalhas. O simples direito à quarentena passou a ser um enfrentamento colossal que devemos assumir e seguir firmes. Muitas vozes, punhos de mulheres valorosas tem se levantado para denunciar, combater e romper com estas violências e muitas mais precisam e devem se levantar pelo simples ao mais difícil do combate. Isso requer que nós nos fortaleçamos umas às outras, exijamos respeito dos homens que caminham do nosso lado, mas também, quebremos os punhos de homens ou do Estado que ousem se levantar contra nós. Que assumamos o lugar de comandantes das grandes e necessárias transformações individuais e, principalmente, coletivas.
 

Edição: Elen Carvalho