Rio Grande do Sul

Coluna

O Fascismo como solução neurótica (parte 2)

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O discurso de superioridade – da raça, do grupo, do clã, dos cidadãos de bem – é uma forma de compensar as profundas sensações de impotência e desamparo - Vitor Teixeira
O medo da sexualidade e das sensações corporais geram a necessidade compulsiva de expurgar o “mal”

Vimos aqui que as atitudes defensivas são aquelas desenvolvidas pelas pessoas como forma de conter, desviar e mascarar determinados impulsos que se tornaram impossíveis ou insuportáveis, do ponto de vista biológico e psíquico, para seus organismos.

Como exemplo, podemos pensar na atitude de sorrir quando se está com raiva. Muitas vezes a raiva não pode ser expressa, ou sequer percebida, pela pessoa que a sente. O sorriso, então, seria uma atitude defensiva que tem a função de consumir a energia do impulso de raiva, desviando e mascarando essa emoção. É comum que pessoas escondam de si mesmas e/ou dos outros a emoção de raiva dessa forma.

Neste texto vou buscar desenvolver uma reflexão sobre os mecanismos defensivos em que se baseia a atitude fascista. Meu entendimento, com base nas considerações de Reich, é de que esse movimento é uma tentativa coletiva de solução dos problemas sociais que se alimenta das escolhas individuais neuróticas de manejo dos impulsos e da excitação corporal: o fascismo se apoia na tendência (neurótica) presente nas pessoas de optar por soluções neuróticas para seus problemas, isto é, optar por soluções para seus problemas que mantenham intactos seus arranjos neuróticos individuais.

Como temos visto nesta série de artigos, o fascismo é subjetivamente ancorado em alguns mecanismos psíquicos e emocionais que se desenvolvem nos indivíduos a partir da repressão dos impulsos biológicos naturais, isto é, da repressão sexual. Esta tem como consequência a fixação do indivíduo em medos, anseios e emoções infantis, que remontam às fases do desenvolvimento e aos conflitos específicos em que os principais impulsos foram reprimidos.

Por ocorrer no contexto da educação autoritária que se processa no seio das famílias patriarcais, a repressão dos impulsos tem como uma de suas principais consequências o medo, a identificação, a adoração e a dependência em relação às figuras do pai e da mãe. Assim, o líder político que promete dar conta da crise social por meio de uma solução enérgica e autoritária, e que se utiliza do simbolismo de uma grande nação acolhedora, está dialogando diretamente com as necessidades infantis, de receber proteção de pai e mãe, que colorem a vida emocional da grande maioria da população.

Além disso, vimos como o discurso de superioridade – da raça, do grupo, do clã, dos cidadãos de bem – é uma forma de compensar as profundas sensações de impotência e desamparo. Vimos também como estas últimas estão diretamente relacionadas à repressão da sexualidade e à desorganização das funções biológicas de estruturação, criatividade e autonomia que a acompanha. Aliás, o medo de assumir responsabilidades – tanto sociais quanto individuais – também faz parte do que motiva a escolha pelo líder salvador.

O medo da sexualidade e das sensações corporais geram a necessidade compulsiva de expurgar o “mal”. Esta necessidade faz parte de um mecanismo defensivo contra os impulsos sexuais: a sexualidade é, em nossa cultura, comumente identificada com o mal e com o pecado. Nesse sentido, onde houver excitação, haverá a necessidade de controlar e deter o “mal”. A compulsão para o controle dos impulsos sexuais também aparece na forma de apego compulsivo às noções de honra, dever e autodomínio. O combate ao mal é o combate contra a sexualidade projetado socialmente. Ele ganha força na medida em que reverbera em sensações individuais derivadas da repressão sexual.

Além disso, por meio de seus aspectos místicos – os ritos de adoração à figura do líder, os atos políticos, as paradas militares, ou, mais contemporaneamente, as lives, os discursos inflamados, as declarações polêmicas que geram muita comoção –, o fascismo oferece possibilidades não orgásticas de viver e descarregar, mesmo que parcialmente, a excitação corporal. A necessidade de descarga da excitação sexual (corporal) não satisfeita por meios naturais (sexuais) faz, ainda, com que as demonstrações de sadismo dos governos fascistas – perseguições, tortura, xenofobia, racismo, etc. – sejam apreciadas: são descargas sádicas da excitação.

Todos os desvios da excitação corporal já citados são aceitos e estimulados pelo discurso e prática fascistas. CONTINUA

Descrição da imagem: trata-se de uma charge. O fundo da imagem é cinza claro. Em primeiro plano temos o que seria uma representação do jovem Bolsonaro, que aparece dos quadris para cima e de perfil. Ele está vestindo uma camisa em que se pode ler "sem partido". Está usando uma mochila e tem livros em uma das mãos. Com a otra mão ele faz a saudação nazista. Ele usa um bracelete com a letra grega Sigma, símbolo do movimento integralista. Atrás dele vemos a silhueta de outras pessoas fazendo a saudação nazista.

Edição: Katia Marko