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Papo Esportivo | Postura de Renato Gaúcho é o resumo do que se pensa sobre futebol

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Seja dentro de campo ou no banco de reservas, o atual treinador do Grêmio já foi chamado de “Rei do Rio” e ainda causa muito alvoroço com suas declarações polêmicas - LUCAS UEBEL/GREMIO FBPA
Conversa e postura que se assemelham muito ao 'somos pentacampeões e não precisamos aprender nada'

O futebol brasileiro está recheado de figuras folclóricas. A minha geração acompanhou várias delas nesses últimos 30 anos. Viola, Túlio Maravilha, Romário, Edilson Capetinha, Vampeta, os exemplos são incontáveis. E se formos colocar os treinadores nesse grupo, vamos começar com Joel Santana, passar por Givanildo (o Rei do Acesso) e terminar com Vanderlei Luxemburgo.

Todos importantíssimos na formação de grandes equipes e na construção de uma identidade que misturava irreverência e títulos. As frases feitas, as bravatas, as apostas nos clássicos (quem acompanhou o futebol do Rio de Janeiro nos anos 1990 sabe bem o que é isso), as dancinhas nas comemorações dos gols, tudo isso está no imaginário do torcedor.

No entanto, talvez nenhum dos nomes citados chegue perto de Renato Gaúcho quando o assunto é folclore e fanfarronice.

Seja dentro de campo ou no banco de reservas (com a prancheta na mão), o atual treinador do Grêmio já foi chamado de “Rei do Rio” e ainda causa muito alvoroço com suas declarações polêmicas em cada entrevista coletiva que concede. Chegou a calar a boca dos críticos quando levou o Tricolor Gaúcho aos títulos da Copa do Brasil (em 2016), da Copa Libertadores da América (em 2017), da Recopa Sul-Americana (em 2018) além do tricampeonato gaúcho (2018, 2019 e 2020).

É preciso dizer que Renato Portaluppi foi um dos nossos grandes jogadores nos anos 1980. Não é considerado um dos maiores ídolos da história do Grêmio por obra de sorte ou por conta das bravatas. Jogava e jogava demais. Ele também se tornou um treinador de respeito. O tal “personagem” que dizia que “quem sabe, sabe; e que não sabe, estuda” era a fachada perfeita para o técnico que via jogos à exaustão e que montou um Grêmio altamente copeiro e competitivo. Talvez um dos grandes times desse final de década.

Vocês devem estar se perguntando por que este colunista começou o papo falando de algumas das nossas figuras folclóricas do nosso futebol e agora fala de Renato Gaúcho.

Bom, a resposta é bem simples. Todas as figuras folclóricas mencionadas aqui correram e correm o risco de se “perder no personagem” e misturar alhos com bugalhos. O caso do treinador do Grêmio, no entanto, é um pouco mais grave. Ele é, na verdade, o resumo quase perfeito de tudo o que se pensa sobre futebol aqui por essas bandas.

Primeiro pela postura que beirava a arrogância ao não admitir o banho de bola que seu Grêmio levou do Flamengo de Jorge Jesus nas semifinais da Libertadores de 2019. O que deveria servir de alerta e início de uma mudança de conceitos no comando do Tricolor Gaúcho acabou sendo tratado como “acidente de percurso” sem que o próprio treinador enxergasse que seu oponente explorou as deficiências da sua equipe para montar a estratégia do Flamengo para aquela partida.

A verdade é que o futebol do Grêmio foi perdendo força e intensidade. Não somente pela queda de rendimento natural de quem está brigando pelo topo por muito tempo, mas pelo fato de Renato Gaúcho ainda se abraçar a ideias que eram bem comuns nas décadas de 1980 e 1990. A derrota para o Caxias que quase custou o título estadual desse ano e as atuações ruins da equipe nos últimos meses (incluindo o período pré-pandemia do novo coronavírus) dizem muito sobre essa queda de rendimento.

Qualquer semelhança com o que se falava antes e depois dos 7 a 1 para a Alemanha na Copa de 2014 não é mera coincidência. Ainda mais quando Renato Gaúcho tenta forçar rivalidade todo o tempo para apagar suas escolhas ruins. É o popular “eu ganhei, nós empatamos e eles perderam”. Conversa e postura que se assemelham muito ao “somos pentacampeões do mundo e não precisamos aprender nada com ninguém”.

A gota d’água para boa parte da torcida do Grêmio aconteceu após o empate sofrido contra o Atlético Goianiense no último domingo (6), pelo Brasileirão. Algumas declarações de Renato Gaúcho não soaram nada bem.

“Algumas pessoas se viciaram em ver o Grêmio sempre bem e acham que jogará bem todas as partidas e vencerá todas as competições. Perdeu duas partidas, precisa mudar os jogadores e ninguém quer saber. A diferença para o quarto, quinto colocado, é de quatro ou cinco pontos. Estamos muito tranquilos. (…) Neste ano, quem ganhou título foi o Grêmio. Ninguém mais ganha nada. Muita gente já tem falado besteira. No Grêmio não existe crise. Ou melhor, existe. Crise de títulos. Este é o problema do Grêmio”, afirmou o técnico gremista.

As declarações acima resumem bem o que se pensa por aqui quando o assunto é futebol.

É lógico que toda equipe vai oscilar. Ainda mais num calendário que vai ficar ainda mais louco por conta da pandemia de covid-19. O grande problema é que cada oscilação deve vir acompanhada de reflexões e avaliações sobre o desempenho de cada equipe. Tratar derrotas acachapantes e atuações ruins frequentes como “acidente” ou “oscilação normal” só podem significar duas coisas: ou o treinador não sabe o que fazer, ou não quer mudar. E como já se sabe, muita gente se beneficia com o fato do nosso futebol estar do jeito que está.

Nossa imprensa esportiva também tem sua (grande) parcela de culpa ao reverberar declarações como as de Renato Gaúcho e colocar tudo no grupo de “coisas do futebol”. A verdade é que se fala muito pouco do jogo, do que acontece dentro de campo. As exceções existem e merecem a nossa atenção. Só que elas acabam engolidas por outro mar de bravatas, desinformação e matérias “caça-clique” nas redes sociais.

Pode ser que Renato Gaúcho esteja mais uma vez colocando seu personagem como escudo para ter tempo de recuperar o Grêmio.

E pode ser sim que o Tricolor Gaúcho recupere o caminho das vitórias. O grande problema está na maneira como isso é feito. A bravata costuma esconder muita coisa e provocar estragos imensos. Assim como foram os 5 a 0 para o Flamengo e o 7 a 1 em 2014.

Ou revemos os conceitos ou vamos ficar correndo atrás do próprio rabo enquanto o resto do mundo evolui.

Edição: Mariana Pitasse