Rio Grande do Sul

Coluna

A fome voltou

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Mulheres, pardos e pretos estão mais vulneráveis a passar fome no Brasil. País teve pior nível de segurança alimentar desde 2004, segundo dados do IBGE - Leonardo de França
Mais de 3 milhões de brasileiras/os deixaram de ter acesso a uma alimentação básica desde o golpe

Quem diria! Dois governos Lula e um governo Dilma acabaram com a fome no Brasil, que era histórica e endêmica. Em 2014, a FAO, órgão da ONU, tirou, ‘pela primeira vez na história’, o Brasil do Mapa da Fome.

Lula, quando chegou à Presidência da República em 2003, fez a frase famosa, símbolo do Fome Zero, e anunciou: “Se no final do meu governo, todas as brasileiras e todos os brasileiros puderem tomar café da manhã, almoçar e jantar, terei cumprido a missão da minha vida.” Frei Betto, Assessor Especial do Presidente, a completou, com a frase fruto da pedagogia libertadora de Paulo Freire, que, se vivo, completaria 100 anos em 2021: “Matar a fome, sim, em primeiro lugar; mas também e ao mesmo tempo, saciar a sede de beleza.” E criou as palavras simbólicas de mobilização da sociedade:  MESA, COPO, PRATO, SAL, TALHER.

O Fome Zero não era só Cartão Alimentação e depois Bolsa Família. Eram políticas e programas como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), o reforço ao PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), programas de apoio à agricultura familiar e camponesa, a economia solidária, entre muitos outros. E sempre mobilizar a sociedade construindo a cidadania junto aos beneficiados pelos programas, através da RECID, Rede de Educação Cidadã.

Hoje, 2020, depois do ilegítimo impeachment da presidenta Dilma e de três anos de um governo ilegítimo e de quase dois anos de um governo desastroso e autoritário, as manchetes não mentem: a fome voltou!

“A volta do Brasil ao Mapa da Fome mostra o fracasso do mercadismo caboclo.  Em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome. A FAO analisou dois períodos distintos. Entre 2000 e 2013, a quantidade de brasileiras em situação de subalimentação caiu 82%” (Luís Nassif, 18.09.2020).

“Golpe traz de volta a fome no Brasil. Mais de 3 milhões de brasileiras/os deixaram de ter acesso a uma alimentação básica. A fome tinha recuado em mais de 50% em dez anos” (Brasil247, 17.09.2020).

“Feijão e soja somem dos estoques e Brasil perde ferramentas para conter preços” (Diário do Centro do Mundo, 19.09.2020). Em uma década, os estoques públicos de alimentos tiveram redução de 96% na média anual. Vilão da cesta básica devido ao alto preço, o arroz está entre os que mais puxaram a queda da armazenagem. De um milhão para 21 mil toneladas.

“Mulheres, pardos e pretos estão mais vulneráveis a passar fome no Brasil. País teve pior nível de segurança alimentar desde 2004, segundo dados do IBGE” (UOL, 17.09.2020). “Fome aumenta 43,7% em cinco anos, diz IBGE. 5,1% da população de 0 a 4 anos de idade e 7,3% da população de 5 a 17 anos convivem com a insegurança alimentar” (Correio do Povo, 17.09.2020). Mais de 1/3 da população brasileira apresentou algum grau de insegurança alimentar no biênio 2017/18, maior índice registrado pelo IBGE desde 2004. 84,9 milhões de brasileiras/os, de uma população de 207,1 milhões, moravam com algum grau de insegurança alimentar em 2017/18. 10,3 milhões com insegurança alimentar agora, aumento de 43,7% desde 2013.

Para piorar o quadro, o desemprego vem aumentando rapidamente. “Desemprego cresce e atinge 12,9 milhões em agosto, diz IBGE. Número é 27,6% maior que o registrado em maio” (Correio do Povo, 23.09.2020). A taxa de desocupação entre as mulheres foi de 16,2%, maior que a dos homens, cuja taxa ficou em 11,7%. O desemprego foi maior entre pretos e pardos (15,4%) do que para brancos (11,5%). 23,3% dos jovens entre 14 a 29 anos estão sem trabalho.

Dia 16 de outubro é o Dia Mundial da Alimentação. Mais que hora de mobilizar a sociedade, como no início dos anos 1990, Betinho à frente, com a Ação da Cidadania contra a Fome e pela Vida, e a criação do CONSEA, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, tendo Dom Mauro Morelli como primeiro presidente. Ou seja, são tempos de convocar todos os setores da sociedade comprometidos com o enfrentamento da fome, num grande mutirão pela vida, como agora a Sexta Semana Brasileira, promovida pela CNBB, vai fazer até 2022: por Terra, Trabalho e Teto, os 3 ‘t’ do Papa Francisco. Vida em primeiro lugar, proclamou o Grito das Excluídas e dos Excluídos.

O CONSEA/RS está preparando o Dia e a Semana da Alimentação no Rio Grande do Sul, a partir do dia 13 de outubro. O tema geral de debate, de ações concretas e gestos simbólicos é: ‘SAN: Estratégias e Ações integradas em Tempos de Pandemia’. Movimentos sociais, movimento sindical, pastorais e igrejas, ONGs, Comitês Populares de enfrentamento da fome e do coronavírus, escolas e Universidades, população em geral, estão convocados para um grande mutirão para enfrentar a fome, a miséria e o desemprego. Antes que o Brasil volte, para sua vergonha, ao Mapa da Fome.

O CONSEA/RS também vai entregar aos candidatos das eleições de novembro uma ‘Carta pela Alimentação adequada e saudável’, promovendo debates e convocando os partidos políticos e suas candidaturas a incluírem nos seus programas de governo o enfrentamento da fome e programas de alimentação adequada e saudável.

É preciso mobilizar a sociedade antes que seja tarde.

Edição: Katia Marko