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Coluna

Reforma política e combate à corrupção no Brasil

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O fim da corrupção por Jair Bolsonaro - Carlos Latuff
Sem uma reforma política, como a proposta em 2014, ficaremos reféns do centrão e seus interesses

“Sueño con serpientes, con serpientes de mar
Con cierto mar, ay, de serpientes sueño yo
Largas, transparentes, y en sus barrigas
llevan lo que puedem arrebatarle al amor
Oh, la mato y aparece una mayor
Oh, con mucho más inferno en digestion”
Silvio Rodriguez


Refletir sobre os rumos do combate à corrupção no Brasil passa por aprofundarmos a compreensão desse fenômeno em sua vertente político e partidária.

Dentre as variadas possibilidades de abordagem no âmbito da sociologia política, estudar a origem e formação do bloco partidário chamado “centrão” é fundamental.

Sem compreendermos esse fenômeno e realizarmos uma profunda reflexão sobre o sistema político brasileiro, todos os esforços realizados para combater a corrupção, no que toca o tema financeiro, bem como as demais faces da corrupção política, será inócuo.

A criação facilitada de partidos políticos, o caciquismo, o patrimonialismo são manifestações dessa corrosão política que atravanca o desenvolvimento social, perpetrando as mazelas das desigualdades sociais do povo brasileiro.

Sem uma reforma política que incida sobre essa cultura, estaremos reproduzindo o mesmo ciclo semelhante ao combate ao tráfico de drogas no Brasil. Prende-se lideranças criminosas de uma determinada quadrilha quando outra quadrilha ainda mais organizada já avança na ocupação do espaço geográfico e do público consumidor.

O centrão surgiu da organização de lideranças da direita conservadora que transitaram do apoio à ditadura civil-militar para a sustentação política do frágil governo de José Sarney (PMDB), no período de 15 de março de 1985 a 15 de março de 1990.

Emergiram como desenho de bloco nas disputas de rumos dos trabalhos da Assembleia Nacional (1987/88), que elaborou a atual constituição brasileira. Via de regra, identificados com a doutrina liberal/conservadora visavam combater as propostas mais progressistas para a constituição promulgada em 05 de outubro de 1988. Na época eram liderados pelo PMDB, do presidente da república e pelo PFL e contavam com PL (depois PR), o PDS, sucessor da ARENA, da ditadura civil-militar e PTB, de onde emergiu a figura de Roberto Jefferson que tem sido uma liderança presente nas páginas políticas e policiais nestas três décadas.

Ou seja, esse grupo engendrou um esquema de participação em todos os governos. Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, o vice-presidente foi Marco Maciel, do antigo PFL que se tornaria o Democratas (DEM), em 2007.

Naquele período esse agrupamento foi fundamental para garantir a aprovação da emenda da reeleição que viria favorecer a vitória de FHC para o segundo mandato. Essa aprovação gerou um escândalo de denúncia de corrupção jamais devidamente investigado.

Reportagem disponível no portal da Carta Capital apontou que em deleção premiada realizada por Pedro Correa, ex-presidente do PP, indicou que a vitória da emenda da reeleição ocorrida em 1997, contou com apoio financeiro de empresários.

Reportagem da Folha de São Paulo denunciou que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do então PFL do Acre, teriam recebido R$ 200.000,00 para votar favoravelmente em benefício da reeleição presidencial. Em fevereiro de 2005 durante o primeiro mandato do Presidente Lula, este mesmo grupo organizou uma disputa e derrotou o candidato petista, para a eleição de presidente da Câmara dos Deputados, emplacando Severino Cavalcanti do PP de Pernambuco. O mesmo viria a renunciar no mesmo ano por denúncia de corrupção e absoluta falta de capacidade de liderança.

O interessante foi as razões que os levaram a derrotar o governo: Queixa de tratamento a pão e água, como disse um deputado na época, e pauta de interesse do governo sem dialogo com a câmara. Porém, o mais grave desde sempre é a chantagem por ocupação de espaços políticos.

Sem constituir uma maioria parlamentar que defenda o programa do governo do presidente da república em voga se vê forçado a ceder às pressões sob pena de não conseguir governar, situação da qual foi vítima a Presidenta Dilma.

Em julho daquele mesmo 2005, Lula se viu obrigado a demitir o qualificado Olívio Dutra (PT), do Ministério das Cidades para acomodar o indicado pelo PP de Severino Cavalcanti, Marcio Fortes, dentre outros ajustes ministeriais para acomodação de apaniguados desses políticos.
Esse mesmo centrão se reorganizou com muita força na transição do primeiro para o segundo governo Dilma Rousseff.

Sob a liderança de Eduardo Cunha (PMDB), tiveram papel fundamental na derrota do candidato petista Arlindo Chinaglia à Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2015. Empossado na presidência da Câmara, Cunha começou todo o processo que levou ao impeachment, que consideramos um golpe de estado, que depôs a Presidenta da Republica.
Na atual conjuntura, o centrão se aproveitou dos desacertos do governo Bolsonaro para se reorganizar e ocupar espaço no atual governo, embora maioria estava na campanha de Geraldo Alckmin para a presidência em 2018.

Reportagem no portal G1 aponta 9 partidos consolidados no novo centrão: PP, com 40 deputados, emplacou o atual líder do governo o paranaense Ricardo Barros, Pl 39 deputados, Republicanos 31 deputados, Solidariedade 31 deputados, PTB 12 deputados, PROS 10 deputados, PSC 09 deputados, Avante 7 deputados, Patriotas 6 deputados.

Além disso, o levantamento do mesmo portal citado aponta que: PSD com 36 deputados, MDB com 34 deputados e DEM com 28, embora não se assumam centrão, unem-se nas mesmas votações haja visto os interesses das pautas de mercado, que é a agenda principal de Rodrigo Maia do DEM, em sintonia com o ministro Paulo Guedes do governo Bolsonaro. Esse mesmo grupo vem atuando para relaxar a legislação de combate à corrupção no Brasil, principalmente após a saída de Sergio Moro do governo.

As conquistas de autonomia e aprovação de leis que durante os governos petistas, principalmente no período Dilma, favoreceram ao Ministério Público Federal e Polícia Federal os avanços das investigações sobre a corrupção no Brasil estão sob ameaça de retrocessos com a ascensão desse grupo que o professor Jessé Souza qualifica como a Elite do Atraso brasileiro.

Sem uma profunda reforma política combinada com a ampliação da consciência política do povo o Brasil, continuará submetido à mesma velha política que atravanca o processo de desenvolvimento social, desde a velha república.

A cena vexatória da apreensão de R$ 30 mil na cueca pijama do senador Chico Rodrigues (foi vereador, governador, deputado federal), do DEM de Roraima continuará sendo mais uma cena que como cortina de fumaça encobre o principal drama sociológico do país. A perpetuação da miséria econômica, cultural e social.

Edição: Pedro Carrano