Ceará

Coluna

Educação do campo e convivência com o Semiárido são saídas para desigualdade

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Escola Municipal do Campo Trabalho e Saber, assentamento Eli Vive1, no Paraná/ José Carlos de Jesus Lisboa. - Foto: MST / Brasil de Fato
Escolas Famílias Agrícolas e de Ensino Médio são experiências para novo projeto educacional no campo

Neste segundo artigo da série sobre combate às desigualdades, tratarei de experiências educacionais gestadas no campo brasileiro e cearense que apontam resultados concretos e caminhos viáveis para pensarmos e agirmos na construção de um projeto de educação alicerçado em paradigmas político-pedagógicos vinculados a um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável e soberano.

Historicamente, os movimentos sociais camponeses elaboram junto aos seus processos de lutas pela democratização da terra e pela dignidade dos trabalhadores e trabalhadoras do campo, importantes iniciativas educativas. Ações de alfabetização, escolas itinerantes e cursos de formação política, em parcerias com universidades, secretarias de educação, entidades estrangeiras ou mesmo por conta própria, sempre foram prioridade do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) e de outros movimentos e organizações.

Dentre as várias experiências construídas em território cearense, destaco duas que acredito trazerem ensinamentos valiosos para o desafio de se forjar uma educação pública de qualidade e libertadora: as Escolas de Ensino Médio do Campo em Assentamentos de Reforma Agrária e as Escolas Famílias Agrícolas (EFAS). No Ceará, dos 184 municípios, 175 estão inseridos no Semiárido (98,7% do território), ou seja, na região que possui os menores e mais irregulares índices de chuvas do país. O Nordest  possui ainda o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dentre as regiões do Brasil. Mesmo nosso estado tendo o melhor IDH no cenário regional, ocupa apenas a 15º colocação no ranking nacional.

Segundo o último senso do IBGE (2010), 75,09% da população cearense se encontra na zona urbana e 24,91% reside na zona rural. Em 2017 o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (IPECE) realizou um estudo que demonstra que o êxodo rural perdura no estado, ocasionando uma diminuição numérica e o envelhecimento da população camponesa, desta apenas 25,89% estão na faixa etária de 0 a 14 anos de idade. Dentre as falidas políticas de “combate à seca”, que geram e reproduzem este êxodo, as carências e dificuldades do acesso à educação, sem sombra de dúvidas, são umas das mais graves. A partir de levantamento junto aos dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), feito pela campanha “Fechar Escola é Crime”, no Brasil cerca de 80 mil escolas foram fechadas na zona rural entre 1997 e 2018.

MST do Ceará ocupando o Ensino Médio

Para enfrentar essa situação o MST Ceará iniciou um processo de pressão e negociação com o governo do estado para a construção de escolas de ensino médio em áreas de assentamentos. Em 2009 foi inaugurada a primeira e hoje já são 10 escolas do campo funcionado em territórios da reforma agrária nos municípios de Madalena, Monsenhor Tabosa, Itapipoca, Itarema, Santana do Acaraú, Ocara, Canindé, Jaguaretama, Mombaça e Quixeramobim.

O que mais se destaca nessas escolas são seus projetos pedagógicos e seus modelos de gestão. Orientadas pelos paradigmas da Educação do Campo, se contrapõem ao projeto histórico de escolas destinadas às populações camponesas, reprodutoras de valores urbanocêntricos que estigmatizam a cultura e os modos de vida desses povos. Essas escolas, mesmo sendo vinculadas à Secretaria de Educação (SEDUC) possuem uma estrutura organizativa inserida na dinâmica do MST, com o protagonismo dos estudantes e professores no planejamento e tomada de decisões e com o diálogo permanente entre a comunidade escolar e o assentamento na qual ela está localizada.


As primeiras Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) são fundadas ainda na década de 1930 no interior da França e chegam ao Brasil em meados de 1960. / Foto: Damiana Moizéis / CETRA

Resistência e resiliência das EFAS

As primeiras Escolas Famílias Agrícolas (EFAS) são fundadas ainda na década de 1930 no interior da França e chegam ao Brasil em meados de 1960. Segundo a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB) estão em funcionamento hoje 145 EFAs, em 16 estados brasileiros, além de outras em implantação. Atendem cerca de 13 mil estudantes e 50 mil agricultores familiares. No Ceará são 5 EFAS em atividade nos municípios de Ibiapaba, Ipueiras, Tabuleiro do Norte, Independência e Quixeramobim. Dessas, a de Independência – EFA Dom Fragoso – é a mais antiga e conhecida, sendo estudada e apoiada por pesquisadores de diversas universidades e já divulgada em matérias de jornais e documentários.

Recentemente foi criada a Articulação das Escolas Famílias Agrícolas do Ceará, contribuindo para o intercâmbio de experiências e com as alianças políticas entre as escolas. Hoje uma das pautas prioritárias dos educadores, educadoras, estudantes , pais e apoiadores das EFAS é a sanção, por parte do governador, do Programa Estadual de Apoio Técnico-Financeiro às Escolas Família Agrícola (EFAs) do Estado do Ceará, aprovado na Assembleia Legislativa, por iniciativa do deputado Moisés Braz (PT), já que as EFAS são organizações não governamentais filantrópicas, mantidas a partir de doações, trabalho voluntário e parcerias pontuais com o poder público.

Boa parte das EFAs compõem a Rede de Educação do Semiárido Brasileiro (RESAB) e um dos pilares que as sustentam é a Pedagogia da Alternância, que consiste num método que possibilita uma interação profunda entre os conhecimentos escolares e técnicos com a vida familiar e comunitária dos educandos. A partir de uma educação contextualizada, buscam desenvolver uma práxis (prática-teoria-prática) que conecte os saberes científicos com a resolução de problemáticas que afligem a vida social, no caso das EFAS cearenses, procuram forjar, aprimorar e consolidar técnicas e experiências de convivência com o semiárido.

Muitas dessas escolas ofertam também cursos técnicos orientados pelos paradigmas da agroecologia e tem tido resultados bastante satisfatórios na inserção de jovens camponeses no mundo do trabalho e no combate ao êxodo rural.

Esperançar é preciso

Na minha avaliação as Escolas de Ensino Médio do Campo e as EFAS, expressam a esperança e as bases para avançarmos em formulações e ações que enfrentem as desigualdades no campo, junto às lutas pela Reforma Agrária Popular e pela convivência com o Semiárido. A força do agronegócio e das velhas oligarquias, protegida pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, disputa os rumos da educação, com o intuito de reproduzir as relações de subalternidade no campo, com escolas precárias e um ensino alienante.

Como nos provoca Paulo Freire: “É preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. E esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir.

Cabe aos movimentos sociais, educadores, estudantes e familiares, persistirem com projetos que apontem um caminho alternativo para a educação brasileira, numa perspectiva de formação integral e politécnica, pressionando o Estado para garantir as condições materiais e legais para que essas experiências, de exceção, um dia se tornem regra.

Edição: Monyse Ravena