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Na cidade o papo é reto

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"Ampliação do espaço democrático. Políticas públicas voltadas para a justiça social. Protagonismo popular. É disso que trata a eleição" - Créditos: Reprodução
Um caminho que trilha a aniquilação das conquistas populares, para a desmontagem do regramento

As eleições municipais estão aí. A primeira disputa política formal depois da eleição de Bolsonaro e da ascensão do neofascismo no país traz alguns desafios importantes para as cidades.

Na esteira da crise institucional e da tentativa de desmonte da ordem constitucional, os novos prefeitos e vereadores sinalizam uma encruzilhada entre a virada em direção à democracia ou a consolidação da barbárie. Contando ainda com a inaceitável submissão de governadores como Romeu Zema, de Minas Gerais, que aderiu ao discurso e às práticas que jorram como vômitos da bocarra boçal do bolsonarismo.

Em outras palavras, parece haver um conjunto articulado que indica etapas sucessivas a serem cumpridas no projeto de destruição da democracia e da instauração de um Estado autoritário no Brasil.

Um caminho que trilha a aniquilação das conquistas populares, a desmontagem do regramento construído pela mobilização da sociedade ao longo de décadas, chegando à criação de uma cultura autoritária em todos os sentidos: do machismo ao racismo, da LGBTfobia à censura às artes, do ataque ao Estado laico à destruição do meio ambiente.

Nesse trajeto, a conquista das cidades é a bola da vez. Pode parecer que há um salto qualitativo, como se as decisões nos âmbitos federal e estadual fossem mais amplas, deixando os municípios apenas como momento de execução de ideias decididas e implementadas de cima para baixo.

Nesse sentido, a política das cidades trataria de algo menor em escala e abrangência. Nada mais perigoso e equivocado. É no território que a vida acontece e as políticas públicas são exercidas em sua materialidade.

A pandemia da Covid-19 é uma prova disso. Não fosse a capacidade de atuação das instâncias locais, a situação estaria ainda pior. O SUS, sobretudo pela capacidade de planejamento e atuação local, foi a barreira que segurou a ação descoordenada, militarizada e negacionista do governo federal.

A grande agenda começa na cidade. Defender o SUS, os direitos humanos, a educação libertadora, o direito à cidade

Errado na condução epidemiológica, na manipulação de dados e na defesa de medicamentos ineficazes, a atuação federal teve que ser retificada na ponta. Mas deixou seus rastros teratológicos. Os números provam o aumento de contágio em localidades apoiadoras de Bolsonaro, por inspiração do comportamento irresponsável do presidente. Não é hipótese. Cientificamente, Bolsonaro faz mal à saúde.

A linha de transmissão da ultradireita só chega ao seu objetivo final com a conquista das cidades. Vários projetos reacionários dependem da cadeira do prefeito e das câmaras de vereadores para se sedimentarem de forma definitiva. O que já foi possível observar na legislatura que se encerra em muitas cidades, com poderosas frentes evangélicas fundamentalistas com seu moralismo ostensivo, bancadas ruidosas em favor da escola sem partido e desvalorização do funcionalismo municipal.

Sem falar das tentativas regressivas de destruir planos diretores, em escancarada campanha em favor do mercado, com destaque para o setor imobiliário e sua voracidade em ampliar o potencial construtivo acima de qualquer valor. Onde havia direito à cidade, toma posse a oportunidade de negócios.

Tudo isso não apenas mostra a importância da eleição municipal neste momento, como evidencia a falsa ideia de que as questões políticas são menos decisivas no nível local.

Ampliação do espaço democrático, políticas públicas para a justiça social, protagonismo popular: é disso que trata a eleição

Além disso, a narrativa construída em favor dos “bons gestores”, em oposição à política de corte popular, faz seu dever de casa na destruição das ferramentas democráticas como os conselhos de políticas públicas e o Orçamento Participativo, entre outros mecanismos de participação direta na vida das cidades. É no chão da realidade do dia a dia que a democracia tem sua maior chance de recuperar sua virtude e sentido na vida das pessoas e das comunidades.

Os retrocessos urbanos são a face mais visível da desigualdade social e econômica. A mobilização da sociedade local tem sido capaz de deixar claras pelo menos duas certezas.

Em primeiro lugar que as melhores experiências de gestão partiram dos movimentos coletivos e da originalidade e ousadia de propostas surgidas nas comunidades. Em segundo lugar, que apenas o fortalecimento das experiências de democracia direta é capaz de recuperar o fôlego de uma sociedade anestesiada pela violência do projeto neoliberal em economia, autoritário em política e reacionário em termos culturais mais amplos.

A grande agenda começa na cidade. Defender o SUS, os direitos humanos, a cultura criativa e crítica, a educação libertadora, o direito à cidade, a liberdade de pensamento e o uso racional e sustentável do solo. Avançar em direção à moradia digna e acessível, à real universalização dos serviços públicos, à mobilidade que respeita os espaços e a sanidade do ambiente e à tarifa zero para o transporte do trabalhador.

Juntar forças pela valorização do funcionalismo público, pela segurança do cidadão como consagração do respeito à vida e pela garantia de renda mínima. Defender a participação direta, democratizar a definição, uso e controle do orçamento público.

Ampliação do espaço democrático. Políticas públicas voltadas para a justiça social. Protagonismo popular. É disso que trata a eleição.
 

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Edição: Elis Almeida