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Maradona e Senna: o humano e o divino

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Maradona e Senna - Reprodução
Maradona não queria ser Deus, não queria nem mesmo ser herói, só queria jogar bola

Morreu Maradona. Duas palavras carregadas de um peso emocional, principalmente para os argentinos, incalculável. Tivemos uma certa noção da dor que nossos irmãos sentem, quando o nosso herói encontrou seu destino em uma curva fechada em San Marino, e perdeu sua vida. Senna e Maradona. Dois seres humanos vistos como heróis em seu tempo, e mitos para além de suas vidas. 

É claro, como brasileiro, sei o que representa mesmo após 26 anos daquela maldita curva Tamburelo, o peso do nome Ayrton Senna da Silva, e o que ele significou para o nosso orgulho ferido, e ressignificado em todas as manhãs em que ele exaltava nossa bandeira, tão machada pelas elites econômicas e políticas. Em Diego Armando Maradona, vejo uma diferença para Ayrton Senna da Silva. Apesar da dimensão subjetiva e catártica, ritualística, quase espiritual, que provocava em seus milhares de seguidores, os aproximarem, em Maradona vejo a dimensão humana aguçada pelos dramas de sua vida. Galeano um dia escreveu que ''El Pibe'' era o mais humano dos deuses. 

Em Senna, víamos alguém que parecia inabalável. Sua insistência praticamente poética em busca da vitória, se transformava em um nacionalismo romântico em tempos do auge de nossa síndrome ''Nelson-Rodriguiana'' em nos sentirmos vira-latas. Senna estava sempre ali, a postos, como um herói pronto a nos salvar do marasmo, e da tristeza de nossas vidas, a cada ultrapassagem, a cada podium, a cada vitória. Só a curva Tamburelo nos deu uma amarga lição, de que Senna não era Deus, não era Cristo, não ressuscitaria em três dias no Hospital Maggiore, em Bolonha, na Itália. Senna no fim, era só mais um Silva, e como todos nós seguiria sua jornada para o túmulo. 

Maradona, talvez, fosse uma figura mais humana do que divina. Um herói que sangra, que cai diversas vezes, que tem sua índole contestada. Sua humanidade não era destacada por conta apenas, de seu desempenho extraterreno em campo, mas por sua capacidade de resiliência, de admitir publicamente mesmo sendo considerado um Deus, as suas fraquezas humanas. Lembro que em 2004 em uma entrevista para a TV ele admitira: ''estou sendo derrotado pelo vício''. Aquele, que ganhara uma Copa para a Argentina, que era visto como um intocável e vitorioso Deus do Olimpo, admitia sua derrota. 

No fim das contas, Maradona não queria ser Deus, não queria nem mesmo ser herói, só queria jogar bola. Só queria dançar se aquecendo ao som de ''Live is Live'', com a mesma simplicidade como se tivesse no campinho do ''Cebollitas'', time de sua infância. A dialética contradição de Maradona em ser visto como um ''Deus'', não era por ser inabalável, mas justamente, por ter sido diversas vezes derrotado. 

Maradona encantou a Argentina e o mundo com sua técnica aguçada, com sua maestria e genialidade em campo, e com o que fazia com sua perna canhota, mas, antes de mais nada, com sua sincera e profunda capacidade de mostrar sempre que somos apenas seres humanos, e que isso nos torna também, com todas as nossas fraquezas, incoerências, imperfeições e erros, um pouco mais próximos do divino.
 

Edição: Gabriel Carriconde