Rio Grande do Sul

Coluna

Devagar é que não se vai longe

Imagem de perfil do Colunistaesd
Há sangue novo na câmara, presenças aguerridas, comprometidas, cientes dos desafios e da necessidade de trabalharmos em bloco, com os moradores e os esquecidos - Karla Boughoff
A inércia, a apatia e o medo só serão vencidos pelo movimento, pelas ações. E isso contagia

Difícil não ser afetado pelo resultado destas eleições. Vejam que a direita sequer precisa de um candidato minimamente razoável, para derrotar, pelo voto, nossas ideias de democracia participativa e cidade includente. Muitos devem ter sentido que algo ia mal, no momento de votar, percebendo que na cidade não havia clima de disputa. No bairro Teresópolis muitas pessoas, além de não responder a sorrisos, se afastavam rápido, olhando para o chão. Bandeiras, adesivos, sinais de compromisso, e tentativas de contato visual pareciam restritos aos nossos. Era estranho, como se os demais houvessem assumido a derrota, desistindo de Porto Alegre.

E no entanto, perdemos. E perdemos em quase todos os bairros.

E eles venceram sem propostas, sem programa, sem compromissos, e ainda por cima, com um candidato que, com certeza, ninguém há de querer chamar de seu.

Está bem, o resultado foi afetado por centenas de mentiras e ameaças. E talvez também por medos inconfessos, de muitos. Afinal, a perspectiva de avaliação, por Manuela e Rossetto, dos desvios eventualmente acumulados em tantos anos sem projetos, e com tantas obras inacabadas, nesta cidade rica que hoje parece abandonada, deve mesmo ter amedrontado a determinados grupos.

Mas ainda assim, como entender tantos votos brancos e nulos nesta cidade que já foi destaque, entre as mais politizadas do Brasil?

Acredito que aí, na alienação assumida, na entrega do que é público à rapina dos mercados, está a maior vitória dos que se opõem à democracia participativa, à expansão da solidariedade e aos próprios direitos humanos.

O avanço massivo da vontade de não participar, as orgulhosas decisões de ficar de fora e o alheamento assumido, de tantos, com relação aos destinos da cidade, também sugerem que ainda devemos esperar o pior. Esperar que as máfias, as milícias, a violência e a naturalização da lei do mais forte acabem consolidando por aqui uma espécie de meritocracia dos mais bem armados. Portanto, a vitória do Melo sinaliza que avançamos para o fundo do poço onde, se nada mudar, a alienação nos sufocará.

É claro que podemos fazer leituras mais otimistas em relação a estas eleições. Afinal, há anos a democracia participativa sequer chegava ao segundo turno, em Porto Alegre. Mas também ali, perder é ser derrotado. Não é coisa simples, mas se isso assim não for entendido, será novamente e novamente repetido. Caímos em pé. Foi uma campanha linda.

Há sangue novo na câmara; presenças aguerridas, comprometidas, cientes dos desafios e da necessidade de trabalharmos em bloco, com os moradores e os esquecidos. Isto muito nos orgulha e alimenta, na luta pela cidade que queremos. Mas não basta. Há que assumir: nossas derrotas se associam ao que fazemos e deixamos de fazer. E no que respeita a estas eleições, parece claro que nossas ações e omissões tendem a se equivaler à dos que decidiram não votar. Elas se somam, em termos de alienação coletiva, e anulam na base os elementos de solidariedade que há poucas décadas permitiram se erguer aqui um polo cultural bastante respeitado mundo afora.

Nosso orgulho nos dividiu e derrotou. E isso terá implicações gravíssimas, de curto prazo.

Aí estão, o novo plano diretor, o avanço da covid-19 com hospitais lotados, e os sem teto, sem trabalho e sem comida, perambulando nas esquinas. Pode piorar? Sim, com a privatização dos serviços públicos e o envenenamento do ar, pela mina de carvão em Guaíba, e da água, por efeitos do PL 260. Este último, encaminhado à Alergs em regime de urgência pelo governador Leite, aliado de Melo, tende a anular a lei gaúcha dos agrotóxicos, que desde 1982 vem evitando que transnacionais derramem aqui venenos de uso não autorizado em seus países de origem. Se trata, se não reagirmos, da barbárie, da rapina e para completar, como cereja do bolo podre, teremos a transferência de lixos tóxicos para os pulmões e o sangue de nosso povo.

O que fazer? Começar de novo. Pelo básico. Pela ativação de grupos de apoio a nossos vereadores, e por meio deles, de acompanhamento das atividades da câmara e da prefeitura, garantindo que o que lá se passa reverbere pelos bairros.

Buscar acordos sobre um projeto de cidade, a ser elaborado pelos partidos verdadeiramente comprometidos com os direitos humanos, em parceria com as organizações sociais de mesmo corte e com nossos representantes na Câmara de Vereadores. Cobrar das lideranças partidárias compromissos com esta construção, desde agora, bem como acordo quanto a mecanismo para futura escolha dos nomes a serem responsáveis pela execução de tal projeto, em 2024.

E, sobretudo, aprender com Nilce Azevedo Cardoso: a inércia, a apatia e o medo só serão vencidos pelo movimento, pelas ações. E isso contagia. Nilce também nos assegura, com a força de seu exemplo, que a energia existe, em abundância, em nós e em nossas relações de amizade, solidariedade, parceria.

Rumo a isso, vamos em frente, vamos juntos, embalados na música, na arte e na alegria. Desde agora, antes que a maldade tome conta e anule o que de bom ainda existe em nós.

Chico, MPB4, e seus bons conselhos: pesadelo é deles; devagar não se vai longe.

OBS: Amigues leitores. Os links são opções de acesso, para eventuais interessados nas fontes citadas. Recomendo, enfaticamente, tão somente que não deixem de escutar a música. Que ela nos inspire.

Ouça o áudio da coluna

Edição: Katia Marko