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BH 123 anos: luta por espaço

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Em 2014, ocupações urbanas de BH ocuparam três prédios públicos para pressionar prefeitura e governo de Minas a garantir direitos básicos a 12 mil famílias - Foto: Mídia NINJA
Nas últimas décadas, cidades revelaram que não são produzidas para as pessoas

Conforme relatório da ONU, na atualidade, mais da metade da população mundial vive em cidades. E meio bilhão de habitantes vive em cidades com mais de 10 milhões de habitantes. Até o século dezoito, a cidade tinha a função de sustentar os poderes públicos e as organizações religiosas. Mas a partir da revolução industrial, passaram a constituírem centros de produção de mercadorias e serviços.

As cidades passaram a ser lugares de concentração da força de trabalho, de produção e acumulação de riquezas. Para atender à demanda de trabalho, as cidades passaram a receber enormes quantidades de migrantes. A partir daí passam a exigir e a receber enormes benfeitorias públicas, tornando-se dispendiosas para a sociedade. Como a cidade é palco de atividades econômicas e da vida social, moradia e lazer, ela se torna a arena de disputas de interesses.

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A construção da cidade de Belo Horizonte teve uma orientação idealista. Privilegiava o cidadão circulando a pé, convivendo e saboreando os elementos naturais em seu entorno: arborização, córregos a céu aberto, espaços não habitados, casas com quintais, parques e a própria configuração das vias públicas.

Naquele tempo, Belo Horizonte era chamada cidade jardim. Assim que começaram a se desenvolver outras funções voltadas para a produção e circulação de riquezas, o Parque Municipal perdeu a metade de seu espaço, sendo limitado pela Alameda Ezequiel Dias. Para ceder espaço à circulação de veículos, a Avenida Afonso Pena perdeu as quatro carreiras de frondosos fícus em toda a sua extensão.

Nessa marcha de mudança de função da cidade, no início do século 21, houve um fato muito significativo: o centro governamental da Praça da Liberdade mudou-se para o distrito de Venda Nova. A Praça da Liberdade perdeu o caráter social de sua origem, passando a ter a função turística de caráter econômico.

O mercado de veículos tornou-se o maior e o mais rendoso do mundo

Até a década de 1980 a região da Savassi (bairro Funcionários) em Belo Horizonte era essencialmente residencial. É significativo o fato de a padaria que deu nome ao bairro ter dado lugar a uma loja de telefonia móvel. Muitos casarões foram demolidos para edificações com fins não residenciais. As atividades econômicas vão tomando espaços e os habitantes vão migrando para lugares distantes.

Na lógica fordista, o distanciamento do local de trabalho é compensado pela possibilidade de os trabalhadores contarem com transporte coletivo e com condução própria. O mercado de veículos tornou-se o maior e o mais rendoso do mundo. A circulação sobre rodas é vital. Além da necessidade de locomoção, possuir carro representa distinção pessoal, status.

É a luta por espaço que caracteriza as cidades atualmente

A luta por espaço para veículos, em movimento ou estacionados, é tão intensa quanto a luta pelo espaço para moradia e para produção. As avenidas, vias expressas, viadutos, pontes, cruzamentos e estacionamentos passam cada vez mais a fazer parte da materialidade da cidade apontando para a importância que se dá à circulação e ao automóvel e demais veículos automotivos, em detrimento do pedestre.

Nas últimas décadas, com a crise da economia mundial com perda para as categorias assalariadas, as cidades revelaram que não são produzidas para as pessoas. A cidade de Nova York, por exemplo, registra mais de 60 mil moradores de rua.

Os atritos entre condutores de veículos nas vias públicas; atropelamentos de pedestres; acidentes automobilísticos, com alto índice de óbito, resultam da luta por espaço. De acordo com a Lei de Newton, “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo”.

E essa luta por espaço que caracteriza as cidades, e Belo Horizonte, atualmente.

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS.

Edição: Elis Almeida