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Regular é o novo ótimo

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"Depois não adianta reclamar da pauta reacionária, dos projetos regressivos postos em votação e dos engavetamentos de pedidos de impeachment. Será tudo regular. Para não dizer ótimo." - Créditos da foto: Agência Brasil/Arquivo
Bolsonaro se exibe como incompetente, corrupto e politiqueiro

Os resultados das últimas rodadas de pesquisas sobre governo Bolsonaro indicam que o presidente mantém sua avaliação em níveis razoáveis, sem queda expressiva, mesmo em meio a toda a balbúrdia em torno da pandemia, dos crimes investigados de seus filhos e da abertura desavergonhada ao toma-lá-dá-cá para formação de sua base parlamentar e lançamento de candidato à presidência da Câmara. Ou seja, mesmo se exibindo como incompetente, corrupto e politiqueiro, o capitão mantém a tropa alinhada no atraso.

É possível fazer interpretações mais pontuais e detidas das enquetes e mostrar como esse comportamento identificado se divide por estratos, faixas de renda ou de educação, como se diferencia nos estados e regiões ou mesmo a partir da religião do pesquisado. Nada disso, no entanto, contradiz a constatação inevitável: boa parte da população brasileira apoia Bolsonaro, acha que ele governa de forma positiva e até confia nele, mesmo quando ele mente, volta atrás a todo momento e nega a mais razoável das evidências e manifestações da realidade.

Pesquisas não flagram apenas o apoio ao governo, mas a derrocada da razão

A mais cristalina consequência das pesquisas é que o país não está bom nem da cabeça nem do coração. A aprovação, somadas as respostas de regular a ótimo, mostra um sintoma grave de desconexão com a realidade e mesmo de certa maldade e falta de empatia.

Programa de morticínio

Há dados objetivos, como a condenação dos principais especialistas à forma como a pandemia vem sendo tratada pelo governo federal ou mesmo o descaso com o sofrimento humano, traduzido em comportamentos violentos e preconceituosos. Os milhões de casos e dezenas de milhares de mortes, que poderiam ser dadas como destino inevitável, com a realidade da vacina se tornam um projeto explicitamente genocida.

A demora em agir, a criação de um clima de beligerância entre instâncias de governo, entes federados e pesquisadores, e o desestímulo à vacinação por meio de vários artifícios burocráticos e criação de uma simbologia conspiratória, tudo isso configura um programa de morticínio. Que, mesmo assim – ou por isso mesmo – tem recebido aprovação de parte da sociedade brasileira que assume a inevitabilidade do extermínio dos mais fracos.

As pesquisas não flagram apenas o apoio ao governo, mas a derrocada da razão e dos valores universais.

A primeira explicação para esses resultados aponta para a desinformação. Em seguida para a má fé. E, por fim, para a estupidez. Não interessa. Se o “ótimo” é apanágio de imbecis, o “regular” é o novo ótimo da inconsequência.  Não é apenas o bolsonarista-raiz que mantém a sustentação ideológica e simbólica do governo, mas certos traços que muitos julgavam superados com a consolidação da democracia nos últimos 30 anos. Passamos de uma era pré-democrática (ou afirmativamente ditatorial) para uma fase pós-democrática (assumidamente reacionária). Em termos pessoais, deixamos de lado a esperança solidária para afirmar a competição individualista.

Essa operação pode ser percebida em vários setores. No campo da informação, a imprensa corporativa se fartou de assumir pautas partidárias, sobretudo em economia e na extirpação de direitos, e agora se espanta com o monstro que criou e com a despolitização que incentivou, inclusive interferindo em processos judiciais, eleições e até na ciência política.

Hoje, busca inventar um novo centro para colocar no lugar da extrema direita que decantou como liberal. E ensaia a cada negaceio do presidente, um comportamento complacente de crença na redenção. Como álibi de sua falsa independência, aprendeu a usar adjetivos e chamar assassinos de assassinos e palermas de palermas.

No Judiciário, o que se acompanha é uma dissolvência completa do sentido da Justiça, com o protagonismo político do STF, secundando a farsa da Lava-Jato, com suas estrelas-egos disputando a interpretação da lei em vez de se firmar simplesmente por seu cumprimento. Jogando para a plateia, os ministros se oferecem a cada temporada de crise como remédio para os engates da política. Enquanto passam por cima da Constituição como quem passeia suas próprias convicções em praça pública.

Nas políticas públicas, leva-se adiante a tática de passar a boiada proposta por Ricardo Salles, seja na área ambiental que lhe diz respeito, ou, por seus colegas, na destruição do patrimônio democrático na educação e saúde, entre outras. Como se viu recentemente na votação da regulamentação do novo Fundeb, apontando para a privatização do uso dos recursos públicos, ou no esforço do revogaço da política de saúde mental (transformando o sofrimento em moeda corrente e a inclusão em ódio), que ilustra mais uma das batalhas da guerra anti-SUS travada pelas corporações.

Bolsonarismo está no meio de nós

O desafio, em razão disso, é significativamente maior e mais complexo. Quando a sociologia e a política mancam, talvez tenha chegado o momento de pedir uma forcinha para psicologia. O bolsonarismo, como certas divindades reveladas, está no meio de nós. Está no comportamento autoritário do dia a dia, no racismo estrutural, na naturalização da desigualdade, no machismo, na crença absurda de que somos patrões de nós mesmos. Donde a displicência daqueles que cravam um regular quando perguntados sobre o inferno.

O momento da tolerância talvez tenha passado. Está na hora de soltar a mão dos adversários, traçar o mapa do real e escolher a turma certa. Apoiar, por exemplo, o candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara, como chegou a ser defendido por alguns setores da centro-esquerda, nesse sentido, é entregar a condução política ao inimigo. Depois não adianta reclamar da pauta reacionária, dos projetos regressivos postos em votação e dos engavetamentos de pedidos de impeachment. Será tudo regular. Para não dizer ótimo.

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Edição: Elis Almeida