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A experiência das cozinhas comunitárias em Curitiba em tempos de crise

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Da cultura nos bairros ainda limitada ao papel das lideranças comunitárias, o desafio é também que cada vez mais esses espaços consigam envolver mais pessoas moradores. Tarefas não faltam - Pedro Carrano
As comunidades da UMT estavam dispostas a passar do recebimento de marmitas para a sua produção

Desde março de 2020, o início do impacto da pandemia no Brasil trouxe desafios inéditos para as organizações populares.

Trouxe limites para o trabalho de base, diante da impossibilidade de convocatórias de muita gente, assembleias em espaço fechado, e mesmo da distribuição de materiais impressos, na medida em que as organizações populares, de forma geral, buscaram não contribuir com a difusão do novo coronavírus.

Ao mesmo tempo, o impacto da crise econômica, que já se anunciava desde 2019 tanto no Brasil como na América Latina, impactou diretamente as famílias. Desemprego, subemprego, incertezas foram colocadas – uma situação amenizada temporariamente durante o recebimento do auxílio emergencial, via Caixa Econômica.

No meio da contradição de uma crise profunda, com possibilidades estreitas de mobilização, abriu-se uma janela de aproximação com um setor de trabalhadores a partir da política de solidariedade.

Em Curitiba, as ações iniciais aconteceram por parte do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Sindicato dos Correios (Sinticom), entre outras experiências localizadas em bairros, caso do Parolin. Há registros de experiências importantes de sopão e cozinhas também em bairros de Londrina (PR).

Este artigo sobre cozinhas comunitárias em Curitiba não daria conta de relatar todas as iniciativas de solidariedade desde o início da pandemia, o objetivo aqui é apenas o registro de que, às quartas-feiras, o coletivo “Marmitas da Terra”, convocado pelo MST, atraiu jovens, militantes, apoiadores e produziu, no mínimo, mil marmitas semanais, para a população em situação de rua e para comunidades próximas, a partir da doação vinda de assentamentos, acampamentos e da sociedade civil.

Essa mesma militância também foi convocada a participar de plantações e colheitas na região metropolitana da capital, em um exercício inédito de trabalho voluntário entre campo e cidade.

A experiência da UMT

O início da cozinha comunitária da União de Moradores/as e Trabalhadores/as (UMT) se deu em agosto, a partir do incentivo do MST, com a doação de verduras, grãos e tubérculos, e do Sindicato dos Petroleiros do Paraná e Santa Catarina (Sindipetro), com a doação de 15 botijões de gás para a cozinha, instalada na Associação de Moradores e Amigos das vilas Maria e Uberlândia (AMA).

As comunidades participantes da UMT estavam dispostas a passar do recebimento de marmitas uma vez por semana para a própria produção. Nosso processo organizativo é extremamente inicial. A União surgiu em maio, a partir da proposta de unidade entre cinco associações de moradores, ao lado de organizações populares – caso do Levante Popular da Juventude, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) e organização Consulta Popular.

Neste sentido, a cozinha comunitária ajudou a criar confiança entre as organizações, dentro de um projeto maior que envolve horta e padaria comunitária também na região conhecida como bolsão Formosa. Vale destacar aqui também o papel de militantes e indivíduos que buscaram contribuir com trabalho voluntário no cotidiano da cozinha.

Foram atendidos moradores das vilas Maria e Uberlândia, Ferrovila, Formosa, Canaã, Candinha e Leão, além de ao menos 2 barracões de trabalhadores carrinheiros. Tudo isso a partir da campanha de apoio, vinculada à campanha Periferia Viva, e com baixos custos. Afinal, uma vez iniciada, a população e comércio local também passaram a apoiar a iniciativa. Completamos, no dia 17 de dezembro, 20 semanas de cozinha e, ao final, ultrapassamos a entrega de 7 mil marmitas, desde junho. Voltaremos no final de janeiro de 2021.

Potencial organizativo e de política pública

A cozinha comunitária mostrou potencial organizativo, uma ferramenta concreta importante, em meio a desafios ideológicos na formação do nosso povo, uma chance para capacitação e ao mesmo tempo aproveitamento da capacidade das trabalhadoras e trabalhadores nas periferias, muitos deles com experiência no ramo alimentício e em cozinhas industriais.

A cozinha semanal mostrou-se um canal de comunicação, nos dias de entrega, para fornecimento de materiais e troca de ideias. Da cultura nos bairros ainda limitada ao papel das lideranças comunitárias, o desafio é também que cada vez mais esses espaços consigam envolver mais pessoas moradores. Tarefas não faltam. Conseguimos envolver vários voluntários no processo da cozinha. O que começa com pequenos detalhes, como pedir à comunidade para trazer seus próprios marmitex, em lugar do pote de isopor, destinado aos trabalhadores carrinheiros, sempre em trânsito. 

A cozinha comunitária é uma experiência organizativa, como foi dito acima, o que não afasta a exigência de política pública necessária. Ao longo de 2020, somente em Curitiba destacaram-se três cozinhas organizadas de forma comunitária, no centro (MST), bolsão Formosa e também no Cajuru, além de cozinhas em áreas de ocupação recentes, caso da Nova Guaporé.

Mas imaginemos o potencial se conseguíssemos multiplicar esses espaços nas comunidades, cozinhas organizadas pelo povo, em parcerias com os movimentos populares e sindicais?

Quem dera a iniciativa viesse dos órgãos municipais. No entanto, como sabemos, o problema é que obviamente a prefeitura e as suas administrações regionais não acreditam na capacidade da organização popular, e inclusive a temem, com o potencial que tem de romper com o autoritarismo e clientelismo, hoje típicos da prefeitura de Rafael Greca (DEM).

Os trabalhadores precisam então se unir e contar com as próprias forças. Espaços de organização própria, voltados à solidariedade, com potencial embrionário de gerar trabalho, emprego e renda, serão fatores importantes em um 2021 quando as condições de vida da população devem cair ainda mais.

Evitando a taxação de apenas um espaço de assistência, essas ferramentas, como as cozinhas comunitárias, devem estar conectadas com os problemas concretos dos trabalhadores. Sem dúvida, tornou-se a principal construção da UMT em 2020, mas conectada aos cursos de capacitação, à comunicação popular, às demais lutas e atividades das comunidades, caso da luta contra o fechamento de UPAs, por exemplo.

Uma sugestão para o seu crescimento poderia ser parcerias com sindicatos em momentos de luta, encontros, greves etc. Por que não?

Mãos à obra, mãos no alimento vindo da terra.

Edição: Lucas Botelho