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Povo latino-americano sangrou e também resistiu em 2020 - 1

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Mais uma vez, o povo latino-americano, agora os chilenos, assumem o protagonismo da própria história e afirmam em plebiscito, o que construíram na rua com muita luta e persistência - Pedro Ugarte / AFP
A forte crise social desencadeou lutas nas ruas mesmo durante período de pandemia

Novos desafios estão postos para as organizações populares da América Latina.

No final dos anos 90 e início dos anos 2000, nosso subcontinente viveu a chamada primavera progressista, a partir de crítica ao modelo neoliberal e seu impacto nas condições de vida da população.

As massas foram às ruas em vários países e, consequentemente, conseguiram eleger os chamados governos progressistas. Em um cenário econômico favorável, esses governos, de acordo com cada realidade, avançaram em direitos sociais, maior integração entre países e soberania nacional.

No entanto, governos de esquerda e centro-esquerda – que eram doze em 2009 e passaram então a apenas seis em 2017 –; conheceram justamente uma contraofensiva conservadora no continente, marcada por golpes, desgaste ideológico, quebra de cadeias produtivas e intervenção, direta ou indireta, de governos dos Estados Unidos. Golpes de novo tipo foram aplicados no Haiti (2004), Honduras (2009), Paraguai (2012), Brasil (2016) e Bolívia (2019).

Hoje, com a crise política e econômica colocada no continente, elevada à potência máxima com a crise da pandemia em 2020, empresto aqui a expressão do jornalista Breno Altman sobre estarmos vivenciando uma retomada das lutas populares no continente, ainda que irregular, com fragilidades – e ainda que muitos países, sobretudo o Brasil, ainda vivam a ressaca de derrotas da esquerda, com consequências estratégicas e de longo eixo.

Concordando com Altman, em uma fala feita durante encontro da Alba Movimentos (Alternativa Bolivariana para as Americas, capítulo movimentos populares), observa-se que o modelo neoliberal recebe rechaço de amplas camadas da população em vários países, o que explica, por exemplo, um governo como o de Mauricio Macri (2015 - 2019), ter sido rechaçado nas urnas pela população depois de ter piorado sensivelmente a vida dos trabalhadores argentinos. O que era visto como uma nova tendência no país não durou mais de quatro anos.

Entre as resistências recentes surgidas desde 2019 podemos citar a retomada de lutas sociais no Haiti, também no Chile, onde povo e estudantes passaram um ano de intensas lutas nas ruas, com grande capacidade de resiliência diante da repressão, o que desgastou o governo de Sebastián Piñera e apontou o processo Constituinte.

Protestos foram vistos na Colômbia, que há décadas apresenta a hegemonia de governos alinhados com Washington. Além disso, após a assinatura dos acordos de paz, em 2016, o país segue passando por forte perseguição contra lideranças de movimentos populares e também forte perseguição contra jornalistas.

Lutas sociais e desgaste institucional

Recentemente na Guatemala, Peru e Equador, vimos o elemento comum nesses países de uma forte crise institucional e de representatividade.

A forte crise social desencadeou lutas nas ruas mesmo durante período de pandemia. No Peru, houve a queda e saída de dois presidentes no final de 2020, enquanto na Guatemala (América Central) o congresso do país foi queimado durante protesto. De alguma maneira, diante da pouca participação popular e domínio das elites sobre a política em nossa América, a bandeira da Constituinte e participação popular costuma surgir de maneira embrionária nesses processos.

Nas eleições colocadas para 2021, outra características nesses países de nossa América Latina é o surgimento de lideranças jovens que devem disputar as próximas eleições. Daniel Jadue, do Partido Comunista Chileno, Verónika Mendoza, no Peru, e Andrés Arauz, no Equador, mostram que a esquerda no continente tem jovens quadros a apresentar em um momento de desafios estratégicos, o que é um sinal importante.

Ainda na composição deste cenário continental, há o bloco de países com governos institucionais progressistas no México e Argentina, principais economias do continente ao lado da brasileira. Os presidentes Lopez Obrador e Alberto Fernández, com todas as limitações para a realização de reformas estruturais a partir do espaço onde estão inseridos, ainda assim tem tido capacidade de orientar e coordenar políticas de combate à Covid 19. Nem é preciso dizer que com muito mais maturidade que o governo brasileiro.

Sobretudo o governo do país hermano destaca-se com a aprovação de medidas importantes de descriminalização do aborto, taxação sobre grandes fortunas e controle do preço dos alimentos para ajudar a população trabalhadora.

Consolidação

Neste momento de crise mundial da pandemia, os governos socialistas de Cuba e Venezuela têm se destacado pela capacidade de enraizamento da saúde comunitária, o que se revela em baixo índice de contágios de Covid nesses países e capacidade de reverter esse êxito e acúmulo em solidariedade internacional.

Veículos de mídia acusam o governo de Nicolás Maduro de falsificar dados, mas não apresentam qualquer prova consistente.

Na Venezuela, em particular, país mais atacado durante esta turbulência de passagem do ciclo progressista para a retomada neoliberal no continente, neste momento vive um período de consolidação e tentativa de superação dos problemas, no âmbito da produção, que conta com a organização popular.

Desde 2015, com o decreto de Obama classificando a Venezuela como país inimigo, passando pelo bloqueio econômico completo do governo Trump, em 2019, chegando até barricadas e violência conduzidas pela oposição venezuelana, as chamadas “guarimbas”, é fato que governo e população conseguiram momentaneamente contornar a crise.

Com o governo Biden, nos EUA, é preciso observar qual será a política estadunidense para o continente, que certamente deve seguir condenando o país.

Outro fator de peso para a resistência latinoamericana foi a retomada do governo popular na Bolívia, a partir de intensas mobilizações de rua e contra o golpe instalado desde o governo de Jeanine Añez, em 10 de novembro de 2018. A retomada do poder no espaço de um ano corrobora a tese de que a queda nas condições de vida a partir do modelo neoliberal podem virar o jogo na política. Por sua vez, os países que não conseguirem reverter o processo golpista tendem a aprofundar cada vez mais suas crises sociais e políticas. Vide a situação de Honduras. E o caos no qual o governo Bolsonaro nos conduz no Brasil, que já neste início de ano tem sido enfrentado com os atos unitários das frentes Povo Sem Medo, Brasil Popular, e demais organizações.

Aprendizados

A debilidade do período anterior, dos chamados governos progressistas, e que está pautada como desafio estratégico para a esquerda no subcontinente, é o aprendizado com a necessidade de intenso debate ideológico com as massas trabalhadoras, investimentos e incentivos à comunicação popular, intensa atividade organizativa, e a percepção de que a conquista do poder pelas forças de esquerda em nenhum momento vai se dar em um ambiente de estabilidade institucional e política.

A grande sustentação para um governo popular é a organização da classe trabalhadora, para os inevitáveis enfrentamentos e tentativas de retirada de direitos.

Edição: Lucas Botelho