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Projeto estimula alimentação saudável nas escolas para combater obesidade infantil

Ação da Fian Brasil estimula restrição gradual a produtos ultraprocessados, explica a nutricionista Vanessa Manfre

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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A efetivação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma das diretrizes do projeto - Foto: Agência Brasil

Fortalecer o desenvolvimento pleno das crianças por meio de hábitos alimentares saudáveis é o principal objetivo do novo projeto que a Fian Brasil desenvolverá ao longo de 2021. 

O Crescer e Aprender com Comida de Verdade – pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas na Escola começou em novembro do ano passado e busca promover tal direito por meio do fortalecimento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). 
 
Em entrevista ao programa Bem Viver, da rádio Brasil de Fato, a nutricionista Vanessa Manfre, uma das coordenadoras do projeto, conta que a ideia é contribuir para o combate à obesidade infantil e à desnutrição a partir da oferta da alimentação saudável e da restrição gradual aos produtos alimentícios ultraprocessados.

Em meio ao desmonte das políticas de segurança alimentar no país, o projeto desenvolverá diversas ações junto aos atores sociais e ao poder público. 

“Queremos sensibilizar e trazer à tona o tema da alimentação escolar, o direito à alimentação e nutrição adequada, a exigibilidade desse direito. Queremos conversar com a comunidade escolar, estudantes, pais e mães, e a sociedade civil como um todo”, explica Manfre. 

Além da promoção de hábitos alimentares saudáveis entre as crianças, a Fian também incentiva uma maior participação da agricultura familiar no fornecimento de produtos saudáveis para a execução da política pública.

“Muitas vezes vemos que boa parte da população não tem acesso a alimentos saudáveis como frutas e hortaliças, alimentos frescos. É o que chamamos de desertos alimentares onde se tem acesso apenas a esses alimentos ultraprocessados e industrializados”, alerta a nutricionista.

Confira mais detalhes sobre o projeto na entrevista a seguir.

Brasil de Fato: Quais são as linhas gerais e objetivos do projeto?

Vanessa Manfre: Estamos no contexto de uma epidemia de obesidade infantil, no Brasil e no mundo. Queremos, na verdade, combater a questão dos ultraprocessados no ambiente escolar. O projeto busca combater a questão especificamente em relação às escolas públicas de ensino. Então estamos falando do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que é voltado para esse público.

A legislação atual do programa restringe e até mesmo proíbe as ofertas desses produtos ultraprocessados para estudantes de creches até 3 anos de idade. O projeto vem nesse sentido de contribuir e fortalecer essa medida, a regulamentação.

Queremos gerar conhecimento sobre os obstáculos que os municípios e os estados terão com relação a essa nova regulamentação. Quais são os obstáculos para executar o PNAE como deve ser executado de fato, para que os estudantes tenham garantido o direito à alimentação e nutrição adequada nas escolas.

E, a partir disso, desse conhecimento, propor ações de formação para atores sociais envolvidos no PNAE, na execução e gestão do programa, no Conselho de Alimentação Escolar, e também ações junto com a sociedade civil.

Queremos sensibilizar e trazer à tona o tema da alimentação escolar, o direito à alimentação e nutrição adequada, a exigibilidade desse direito. Queremos conversar com a comunidade escolar, estudantes, pais e mães, sociedade civil como um todo.

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Para onde o projeto será levado na prática? Será no Brasil inteiro? Qual a importância disso acontecer no momento da pandemia, quando há tanta incerteza sobre as crianças na escola?

Queremos falar sobre o direito à alimentação escolar, não simplesmente o direito fundamental de não passar fome mas de termos acesso à alimentação adequada. Queremos trazer isso pro Brasil todo, conversar com todos os estados, todos os municípios, todos os gestores.

A pesquisa que estamos fazendo agora é com todas as regiões, estamos contemplando toda a diversidade do Brasil em relação a execução do PNAE e desde que começou a pandemia e a suspensão das aulas, estamos acompanhando a distribuição dos circuitos de alimentos.

Na pesquisa estamos investigando esse momento. Queremos saber como está a situação durante a pandemia, a distribuição dos kits, do que eles são compostos, se é distribuído de maneira universal para todos. Quais são as possíveis violações de direitos.

Queremos informar e queremos mostrar que realmente é um direito. Temos que acabar com aquela visão, aquela ideia de assistencialismo. Estamos falando de um direito, é obrigação do Estado proteger e respeitar. Promover esse direito.

O projeto também vai contribuir para isso. Temos que falar, claro, do momento de suspensão às aulas e pensar também no momento de retorno às aulas presenciais em que as escolas e municípios vão ter que implementar a regulamentação do PNAE, que está vigente e foi publicada ano passado, e que restringe os ultraprocessados.

Queremos chamar atenção também, claro, para a questão da aquisição de alimentos da agricultura familiar. Se estamos falando de direito à alimentação e nutrição adequadas temos que falar de agricultura familiar.

Queremos formar, fazer incidência, advocacy. E o projeto tem duração até outubro deste ano. É um projeto curto, começou em novembro e tem duração de um ano. Queremos dar conta de tudo isso nesse período.

:: 65 milhões de brasileiros podem estar com alimentação insuficiente ::

Quando fala em advocacy, do que está falando diretamente? É a sensibilização da comunidade escolar?

Seriam ações no sentido da defesa de uma luta, de uma causa. Nossa luta é o reconhecimento desse direito. Queremos sensibilizar, comunicar a sociedade civil, o Poder Público, chamar atenção para o tema e mobilizar.

Ao longo do projeto temos bastante campanhas, ações de comunicação, lives, webinar, temos página no Facebook para comunicar e mobilizar sobre esse tema.

E incidência seria mais incidência política junto ao Poder Público, Legislativo, Executivo e Judiciário. Em nível nacional e em âmbito local também, com os municípios.

A que se deve a epidemia de obesidade entre as crianças no Brasil, que se consolida como um problema de saúde pública entre as crianças?

Exatamente. Estamos falando de obesidade. Às vezes a criança é gordinha, tem uma aparência saudável, mas às vezes a criança está acima do peso e está mal nutrida, tem carência de nutrientes.

A obesidade está relacionada a diversos problemas de saúde. É fator de risco para doenças crônicas como diabetes e hipertensão. Por que estamos vivendo isso hoje?

São vários fatores. Um deles é a mudança no nosso padrão de alimentação. A sociedade vem mudando esse padrão alimentar, deixamos de cozinhar em casa e preparar nossa refeição. Passamos a comprar e adquirir alimentos prontos e pré-preparados por conta de praticidade, por serem mais palatáveis, os ultraprocessados.

E também uma questão de acesso. Muitas vezes vemos que boa parte da população não tem acesso a alimentos saudáveis como frutas e hortaliças, alimentos frescos. É o que chamamos de desertos alimentares onde ao que se tem acesso são esses  alimentos ultraprocessados e industrializados.

Temos uma relação forte em relação ao público infantil que é a questão da publicidade. Então o marketing destinado a esse público, a exposição dos alimentos nas prateleiras de supermercados, do comércio. Tem um ambiente alimentar que influencia para que elas comam cada vez mais alimentos ultraprocessados, alimentos não saudáveis, que causam a obesidade.

:: Cresce o consumo de alimentos saudáveis na pandemia, mas também o de ultraprocessados ::

Temos que pensar em medidas e ações de enfrentamento de combate à obesidade. Aprovar leis, aprovar a taxação de bebidas açúcaradas, acabar com o subsídio para produção de refrigerante que temos no Brasil. A rotulagem de alimentos, informar a população sobre aquilo que está sendo consumido.

O poder público tem uma responsabilidade muito grande sobre isso.

Agora, sobre o projeto, estamos muito entusiasmados. O projeto vai trazer visibilidade para essa questão tão importante que é o direito à alimentação e nutrição adequadas no âmbito do PNAE. 

É algo fundamental, especialmente no momento de pandemia, mas no momento que voltarem as aulas também.

O PNAE é uma política muito importante para a segurança alimentar e nutricional, importante para o combate à obesidade infantil. Temos que dar luz a essas questões e o projeto vem para contribuir com isso.

Edição: Camila Maciel