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Crônica | Menina

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Na foto, a escultura "Woman baking bread" (Mulher fazendo pão) do Museu do Louvre, na França - Foto: Reprodução Museu do Louvre
De família unida, evangélica, trabalhadora, seu sonho era casar e criar seus filhos, como a mãe

Entre as poucas atividades que fez na vida, a de balconista de padaria rendeu-lhe uma triste história. 

Menina, como era conhecida no Morro do Livramento, foi a garota dos sonhos de todos os garotos da sua comunidade e região.  

De família unida, evangélica, trabalhadora e muita correta, seu sonho era casar e criar seus filhos, como a mãe. Dona Gracinda era uma típica dona de casa, zelosa e muito recolhida com suas orações e jejuns diários. Seu Joaquim era maquinista da CBTU. Muito calado e religioso. Nunca levantou a voz para ninguém. Sua maior missão era cuidar da família. Menina era seu xodó. Com toda esta proteção, não lhe fez muito bem. Menina era do tipo inocente. Não via problema em nada. Todo mundo era gente superbacana. Seu trajeto era casa e culto da igreja. 

Um dia, Menina resolveu trabalhar em uma padaria perto de sua casa. Isso desagradou a dona Gracinda e seu Joaquim.

- Menina, você não precisa trabalhar, minha filha!

- Mãe, preciso ter o meu dinheirinho. Não quero ficar pedindo dinheiro para vocês. Quero comprar minhas coisinhas.

E lá se foi Menina. Ela só não sabia da fama do dono da padaria: um homem com uma índole pra lá de duvidosa, na verdade, bem mau-caráter mesmo. Um coronelzinho de meia-tigela que explorava e abusava de suas funcionárias. Tinha uma histórico nada agradável.

Quando viu Menina, logo pensou que seria sua próxima vítima. Era todo gracejo, meu Deus! Prometeu mundos e fundos pra Menina. Só que ela tinha um propósito com Deus: casar virgem! Ele contou para os amigos que iria ficar com Menina de qualquer jeito.

Tanto Escobar fez, que esperou Menina sair de um dia de trabalho e a fez entrar no seu carro. Mal sabia das segundas e terceiras intenções do dono da padaria. Levou Menina para um lugar bem ermo da cidade e ali abusou de Menina sem dó nem piedade. Ainda fez ameaças se contasse para alguém. Ela não parava de chorar e implorava a Escobar que a levasse embora para casa.

Passaram-se os meses e Menina descobriu-se grávida. O mundo veio abaixo. Seu sonho de casar virgem de uma hora pra outra tinha acabado de uma maneira inesperada com uma violência brutal.

Menina resolveu contar para Escobar sobre sua descoberta:

- Amor, estou grávida. 

- O quê?!

- Grávida!

- Tá brincando, né?! Neguinha de cabelo alisado, saia daqui agora! Você e esse seu filho bastardo e negro! Nunca iria ter um filho negro, se enxerga, sua negra!

Ela não sabia o que fazer. Chegou em casa aos prantos e contou a história para os pais. Teve todo o apoio do mundo. O pessoal dos corres das quebradas ficou sabendo do feito de Escobar e o seu futuro foi decidido no tribunal popular bem no topo do morro. Nunca mais se teve notícia do cabra.

Até hoje não se sabe do paradeiro de Menina. Dizem que ela foi pro interior. Outros falam que ela tá com depressão, trancada em casa. Outros falam em coisa pior. 

Menina, na sua última fala pra mãe:

-Mamãe! Mamãe!

- O que é, minha filha?

- Nós não somos nada nessa vida.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Elis Almeida