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Covid-19

Artigo | O Brasil está preparado para a volta às aulas em meio à pandemia?

Nas aulas remotas ficou evidente o grande contraste das escolas.

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Os professores, como todos os profissionais expostos, devem usar máscaras de qualidade, do tipo PFF2 ou N95 (o mesmo tipo usado em hospitais). - Foto: CRE Blumenau / SED

Abrir ou não as escolas durante a pandemia do novo coronavírus? Essa é uma pergunta um tanto quanto polêmica que divide até mesmo especialistas no assunto. 

O Brasil é um dos países do mundo que manteve as escolas fechadas por mais tempo. Alguns países deixaram as escolas abertas durante toda a pandemia e a maioria fechou nos momentos críticos, e hoje experimenta aberturas totais ou parciais. 

Não há nenhuma dúvida que as escolas fechadas estão trazendo graves prejuízos à educação brasileira, como perdas na aprendizagem, impactos psicossociais, aumento do abandono escolar e a piora crescente do abismo que há entre a educação pública e privada. 

Nas aulas remotas ficou evidente o grande contraste das escolas, muitos dos alunos de escolas públicas sequer conseguiram qualquer tipo de ensino. Destacam-se a falta de local de estudo, a falta ou má conexão com a internet e a distância dos professores (UNICEF; DataFavela). Para além dos alunos, careceu apoio pedagógico e técnico aos professores e estrutura para que as escolas públicas funcionassem remotamente. 

Diante desse cenário, o Ministério da Educação fez pouco caso da situação, ainda não houve nenhum esforço massivo para inclusão digital dos alunos e professores, e quando age, torna a piorar tudo, como no desastre da aplicação do Enem nesse ano. 

Mesmo assim, são as escolas privadas que atendem um público que majoritariamente tem boas condições para o ensino remoto, que estão levantando movimentos e protestos para a volta das aulas presenciais. 

Uma coisa é muito repetida nesses protestos de voltas às aulas: “Estamos seguindo TODOS os protocolos de segurança”. Mas eu faço uma pergunta, quais protocolos são esses? Essas escolas praticam um verdadeiro “Teatro da Higiene”. Álcool em gel espalhado por todos os lugares, medição de temperatura, limpar mesas e mochilas, trocar roupas e sapatos. Esse espetáculo de limpeza é apenas midiático, dá uma sensação de segurança e seria até aceitável em fevereiro de 2020, jamais em fevereiro de 2021. 

Hoje, nós sabemos que o vírus se propaga principalmente pelo ar e os cuidados mais importantes para proteção são: o uso de boas máscaras, a adequada ventilação dos ambientes e o distanciamento das pessoas. 

Os professores, como todos os profissionais expostos, devem usar máscaras de qualidade, do tipo PFF2 ou N95 (o mesmo tipo usado em hospitais), mas é muito comum o uso de máscaras cirúrgicas ou de pano por eles. Inclusive, há relatos de escolas proibindo máscaras N95, por obrigar o uso de máscaras de pano com a logomarca da escola. 

Além das máscaras, as salas devem ser bem ventiladas, muitas janelas abertas, mudanças na infraestrutura e até equipamentos para aumentar a circulação de ar, como exaustores. Estratégias também devem ser traçadas diante da quantidade de alunos e tamanho das salas para que não haja aglomerações e se faça um distanciamento adequado dentro dos espaços como, por exemplo, o uso de rodízio de alunos e aulas em espaços amplos e abertos.

As escolas estão com protocolos ruins, mas não só elas e, principalmente, a culpa não é (só) delas. O poder público, especialmente os Ministérios da Educação e Saúde, deviam elaborar manuais com o mais atualizado conhecimento científico e dar condições reais para implementá-los. No lugar disso, vemos informações desatualizadas e desencontradas que abrem espaço para um “salve-se” quem puder. 

Os estudos demonstram que crianças contribuem pouco com a transmissão da covid-19, e a própria OMS ressalta que a decisão de fechar escolas deve ser tomada como último recurso. Mas o Brasil tem condições de abrir as escolas? Nós iremos monitorar os alunos e funcionários das escolas? Iremos testar e afastar toda uma sala rapidamente? Saberemos se um familiar está com covid-19? As escolas irão dispor de máscaras de qualidade aos professores? As salas terão ventilação adequada? Os alunos manterão distanciamento? Onde estão os protocolos atualizados?

Ainda há muitas perguntas sem respostas e parece que os governos não estão muito a fim de responder. Escondemos os problemas do presente, do desastre das aulas remotas, e fingimos não enxergar os problemas do futuro, de que ainda não temos condições para abrir as escolas. 

Parece uma escolha de Sophia, uma decisão muito difícil de tomar. Mas vale lembrar que essa escolha só está sendo difícil porque foram feitas muitas outras escolhas erradas: abriram bares, fizeram festas, permitiram aglomerações, cortaram o auxílio emergencial.

Temos que mudar rapidamente esse cenário, aplicar medidas duras de distanciamento em níveis críticos da pandemia, dar condições para as pessoas cumprirem a quarentena e baixar a transmissão. As escolas devem abrir, mas devem abrir com segurança.

*Integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares no Ceará

Edição: Francisco Barbosa