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Fernando Heredia e a contribuição ao pensamento latino-americano

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O processo de transição ao socialismo, que o autor militante experimenta a partir de Cuba, permite afirmar que a tomada do poder pela classe trabalhadora organizada permite o desenvolvimento - Pedro Carrano
A memória, a linguagem e a cultura para Heredia são campos de batalha e disputa

Os problemas do poder, da construção e envolvimento com o socialismo

O cubano Fernando Heredia faleceu recentemente, em 2017, e a herança do seu pensamento ainda segue em pleno mapeamento.

Militante, internacionalista e formador, diretor da revista Pensamento Crítico e do Instituto Cubano de Pesquisa Cultural Juan Marinello, conhecedor da realidade latino-americana, numa extensão que ia dos países da América Central aos espaços de formação no Brasil, Heredia nasceu em 1939 e faleceu recentemente, em 2017. Tinha, então, 20 anos à época da revolução cubana de 1959.

Viveu o processo de uma revolução que,  guiada pelos exemplos da História, soube também seguir o seu próprio caminho.

Os artigos de Heredia, selecionados para a publicação “Socialismo como Alternativa aos dilemas da humanidade”, organização feita pelos militantes Ronaldo Pagotto e Olivia Carolino para a editora Expressão Popular (2020), apontam um pensamento marxista e leninista construído sobre os seguintes eixos:

1 – Análise concreta. O aprendizado com Lenin sobre o método de análise que parte da “análise concreta da situação concreta”. Com isso, Heredia valoriza os aspectos culturais, ideológicos, históricos e aponta que é preciso perceber a diversidade em que vive a classe trabalhadora de cada país.

2 – Tomada do poder. A ênfase no aspecto político da obra de Marx, o que aponta a necessidade de tomada do poder pela classe trabalhadora, organizada em torno de um projeto. O processo de transição ao socialismo, que o autor militante experimenta a partir de Cuba, permite afirmar que a tomada do poder pela classe trabalhadora organizada permite o desenvolvimento e a mudança no seu panorama de vida. A prevalência, para Heredia, está no processo de convocatória, mobilização e organização dos trabalhadores para esse processo. “Sem processos firmes e sucessivos de crescimento do poder das maiorias sobre as decisões importantes e a condução cotidiana da sociedade – e de sua capacitação para exercer esse poder crescente – não estará garantido nunca o triunfo do socialismo”, descreve na página 38 do livro.

Heredia, com isso, descarta a percepção que marcou um momento do marxismo, sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista e um caminho inevitável para o socialismo. O caminho, na realidade, só pode ser a luta política pelo poder, que, sobretudo em nossa realidade latino-americana, seria a única maneira de gerar o desenvolvimento e rompimento com a condição dependente. E para isso cita Fidel Castro:

“Serão os poderes e os processos socialistas a condição necessária para estabelecer o desenvolvimento, e não o desenvolvimento a condição para estabelecer o socialismo, como disse Fidel em 1969”, página 25.

3 – Crítica ao pensamento neoliberal. “Em minha opinião, o neoliberalismo é, sobretudo, uma ideologia”. A análise de Heredia se constrói a partir da implantação do neoliberalismo com força na América Latina, no marco do famigerado Consenso de Washington, o autor enfatiza o impacto no plano ideológico, o impacto cultural e nas formas de dominação que se colocaram no planeta e no continente desde então. Os desafios, neste campo, são vários, desde a década de 90, de quando datam os textos do livro, até os dias atuais.

O ensaísta reconhece, porém, que as experiências de transição ao socialismo, com todos os seus problemas e desvios e percalços históricos, ainda assim foram superiores à experiência capitalista no que toca as condições de vida dos povos.

Sua crítica é radical no sentido de pensar o processo concreto de luta dos povos latino-americanos, porém enfatizando o pensamento necessário para mudança no modo de produção, ao lado da mudança nas relações sociais de produção. A bandeira socialista deve estar erguida e presente, enfatiza.

“A formação ideológica de conteúdo acertado e alcance popular serão fundamentais para derrotar impossíveis e encontrar os modos de vencer”, afirma, na página 33.

4 – Crises institucionais. Ao final dos anos 90, em consonância com o pensamento de Fidel em uma série de textos e discursos, ao lançar um olhar arguto sobre os impactos na América Latina: o final das ditaduras legou para a maioria dos países do continente uma relação formal e antipopular e meramente institucional com a democracia, como se o seu substrato fosse apenas a transição formal, mas as massas continuassem afastadas do processo, participação e decisão.

Neste meio tempo, não é à toa que caíram cerca de 16 presidentes desde 1990, em processos de golpe de Estado ou em legítimas mobilizações populares. Novamente, a instabilidade política se coloca em nosso continente e não se resolverá por uma receita econômica alheia à organização popular.

A organização Consulta Popular vinha apontando bem essa contradição, sobretudo para as forças que enxergam em um processo eleitoral – limitado -, em si mesmo como a única via para as mudanças estruturais. Com os atuais estampidos no continente de crise social no Chile, Peru, Colômbia, Equador e Haiti, sabe-se que o desgaste da população com as instituições segue forte.

5 – Memória. A memória é um ingrediente fundamental num processo revolucionário. A memória, a linguagem e a cultura para Heredia são campos de batalha e disputa.

Edição: Lucas Botelho