Paraná

Contra a ciência

Empresários pedem doação de quase R$ 5 mil para compra de "kit covid"

Grupo recebeu aval da prefeitura de Francisco Beltrão (PR) para distribuir medicações

Francisco Beltrão (PR) |
Remédios não possuem eficácia comprovada e podem causar reações graves nos pacientes - Divulgação

Um grupo de empresários de Francisco Beltrão, no Sudoeste do Paraná, iniciou uma campanha que pede doações de até R$ 4,8 mil para compra de remédios que compõem o chamado “kit covid” e que não possuem eficácia comprovada para o tratamento da doença. O grupo recebeu aval da prefeitura e deve distribuir os medicamentos gratuitamente em farmácias da rede pública e da rede privada. Nesta quarta-feira (25), o município somava 9.365 casos positivos da doença e estava com todos os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) lotados.

Em um documento de seis páginas, o grupo, que se intitula “Associação de Apoio ao Tratamento da Covid-19”, apresenta de que forma funcionará a distribuição das medicações. O objetivo, segundo o documento, é atingir cinco mil pessoas, sendo duas mil em uma primeira etapa e três mil na segunda.

Na lista, estão os remédios do chamado “kit covid”, defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que não possuem eficácia comprovada por pesquisas científicas e que podem causar reações graves nos pacientes. São listados azitromicina, ivermectina, dipirona, vitamina D, quelato de zinco e hidroxicloroquina.

“O fato de não termos um tratamento cientificamente comprovado para a doença causada pelo vírus SARS-CoV-2, não só traz dificuldades aos médicos e sistema de saúde como um todo, mas gera desesperança aos que contraem o vírus e começam a sentir os primeiros sintomas”, defendem no documento, reconhecendo não haver tratamento comprovado cientificamente para a doença. O grupo ainda conclui que a distribuição funcionará como um laboratório do uso das drogas. “Havendo comprovação da eficácia do tratamento e entendimento da necessidade de ampliação do projeto, o mesmo poderá ser feito de maneira similar”, alegam.

De acordo com o projeto dos empresários, os remédios serão voltados para pessoas que forem atendidas na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Francisco Beltrão e que tiveram contato com pessoas com Covid-19, que apresentam sintomas leves da doença, ou que estejam positivadas, mas assintomáticas.


Remédios serão voltados para pessoas que forem atendidas na UPA de Francisco Beltrão / Reprodução

Referências duvidosas

Para embasar a defesa do uso das medicações, há uma série de links que levam a sites que teriam estudos sobre a eficácia das drogas e entrevistas com prefeitos e médicos que defendem o uso do "kit covid". Alguns dos sites hcqmeta.com, ivmmeta.com, e c19study.com, segundo a agência de checagem jornalística Aos Fatos, usam metodologias duvidosas.

Um deles, o ivmmeta.com, chega a ter entre as referências uma publicação do Twitter. A própria rede social, segundo autores do site, bloqueou a conta @CovidAnalysis, em dezembro do ano passado, por defenderem o tratamento precoce, que envolve o uso dos medicamentos citados no “kit covid”.

Especificamente sobre a hidroxicloroquina, este ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se manifestou em um estudo fazendo “forte recomendação” para o não uso da droga, alertando que ela não tem efeito significativo sobre pacientes já infectados pelo coronavírus.

Apesar disso, na segunda-feira (22), o secretário de saúde de Francisco Beltrão, Manoel Brezolin, disse não ver “nenhum problema deles [empresários] disponibilizarem” os remédios. Segundo o secretário, são medicamentos que a prefeitura não possui e que caberá aos médicos prescreverem. As medicações só serão dadas com apresentação de receita.

Questionado sobre pesquisas apontarem o efeito adverso do medicamento e a não recomendação do uso em estudos científicos, Brezolin disse: “A grande discussão da praça não é quem é a favor do tratamento precoce. Ninguém é contra o tratamento precoce, a discussão é que medicamento será usado”.

Na terça-feira (23), o Ministério Público (MP), por meio da 5ª Promotoria de Justiça de Francisco Beltrão, instaurou um procedimento administrativo e questionou a prefeitura sobre a distribuição dos medicamentos. A prefeitura tinha 24 horas para responder. De acordo com a assessoria de imprensa, o MP deve se manifestar nesta quinta-feira (25) sobre o caso.

Edição: Lia Bianchini