Minas Gerais

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Genocídio no Brasil pandêmico também tem cor, CEP e classe social

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Em maio de 2020, cidadãos de Manaus e São Gabriel da Cachoeira (AM) já protestavam por reforços no serviço de saúde - Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real
Na prioridade de vacinação, outros critérios de vulnerabilidade também deveriam ser determinantes

Batemos o primeiro ano da pandemia de covid-19 no mundo e, aqui no Brasil, além do alto poder mortal do vírus e suas variações, temos um cenário político desfavorável, que intensifica o número de infectados e mortos, colocando o país na contramão do mundo. Enquanto outras nações estão diminuindo o número de mortes diárias, o Brasil alcança novos recordes.

A ciência já nos apresentou a saída com lockdown – e consequente auxílio emergencial para garantir subsistência – e vacinação em massa, mas seguimos reféns.

Se engana quem pensa que as decisões políticas do bolsonarismo no combate à covid-19 são equívocos incompetentes. As ações e omissões a respeito do enfrentamento a esse vírus mortal significam o aprofundamento do genocídio que já estava em curso, e que segue ampliando seu sucesso sem exigir grandes esforços do fascismo.

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A negritude, que já morre em massa pelas mãos do próprio Estado, tem mais uma causa eficiente de morte, agora pelo coronavírus e pela fome.

Estudo da Vital Strategies com apoio do Afro-Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), analisando dados do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde) e do sistema de informação da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, concluiu o que já podíamos prever: brancos são mais vacinados que negros, negros morrem mais que brancos, e os jovens negros são os que mais morrem da doença, proporcionalmente, em comparação à juventude branca.

Ainda concluiu-se que, mesmo existindo menos idosos negros do que brancos no país, já que a expectativa de vida de pessoas negras é menor – motivada pela situação de vulnerabilidade em que vivem – mais idosos negros vêm morrendo de covid-19 do que idosos brancos. Ou seja, a população negra está mais exposta ao vírus e é menos assistida pela saúde.

Se a ideia é matar pretos e pobres e “higienizar” o país, um vírus altamente mortal vem como um presente para o genocida

Se a ideia de ter uma lista de prioridades é para vacinar quem tem mais risco, outros critérios de vulnerabilidade também deveriam ser um fator determinante. Tanto nos Estados Unidos como no Reino Unido, por exemplo, o critério para vacinação não é somente idade, mas um cruzamento com a identificação de áreas e populações mais vulneráveis, para imunizar mais rapidamente aqueles que, por sua dinâmica de vida, têm mais chances de contrair o vírus.

Em um cenário em que mal temos vacina, parece muito distante imaginar que conseguiríamos colocar em prática um plano que considere as mais diversas vulnerabilidades. Afinal, se a ideia é matar pretos e pobres e “higienizar” o país, um vírus altamente mortal vem como um presente para o genocida, que só precisa deixar a natureza seguir seu curso.

Como chegamos até aqui? Sabemos o porquê. Nunca fizemos um acerto de contas com a nossa História

São as profundas raízes escravocratas do Brasil. As declarações de Xuxa Meneghel são um exemplo da naturalização do racismo. Sugerindo testes de remédios e vacinas na população carcerária no lugar de animais, foram usadas como argumento na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A “rainha” declarou: “pelo menos serviriam para alguma coisa antes de morrer, para ajudar a salvar vidas”.

A Agenda Nacional pelo Desencarceramento respondeu brilhantemente às ideias racistas defendidas por Xuxa, que não tem nada de novo. Os mecanismos que estruturam o racismo são muito bem desenvolvidos. Combinam a tentativa de nos eliminar com o apagamento histórico. Assim, estruturam toda a sociedade em um sistema econômico e social racista. Por essa lógica trabalham as instituições, em especial a justiça criminal, com seus presídios e manicômios.

Nossa vitória só será completa com a total responsabilização dos culpados pelo genocídio no Brasil pandêmico

E a gente se pergunta o tempo inteiro: como chegamos até aqui? Como é possível que o nosso país esteja vivendo uma crise histórica, dirigida e aprofundada por Jair Bolsonaro e sua organização fascista? Na verdade, sabemos o porquê. Nunca fizemos um acerto de contas com a nossa História.

Não há reparação no Brasil. Negros e indígenas nunca foram reparados pela violência brutal do Estado. Nenhuma pessoa, instituição ou grupo foi responsabilizado pelas ações genocidas no passado. Assim também foi na história recente da ditadura militar. Tenho a esperança de que sairemos desse buraco, mas não podemos cometer esse erro novamente. Nossa vitória só será completa com a total responsabilização dos culpados pelo genocídio no Brasil pandêmico.

Edição: Rafaella Dotta