Minas Gerais

MINERAÇÃO

CNBB quer acionar Justiça para acessar plano de reparação integral por crime da Vale

Entidades solicitaram a órgão ambiental do Estado, que não disponibilizou documento público construído pela mineradora

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Na foto, frei Rodrigo Péret e Dom Vicente Ferreira apresentam as denúncias dos atingidos em países da Europa, em março de 2020 - Reprodução / Cáritas MG

A Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) junto com Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (Renser) – que acompanha as comunidades atingidas pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho – estudam entrar com uma ação na Justiça para que que o Estado de Minas Gerais, por meio da Fundação Estadual do Meio Ambiente​ (Feam), forneça acesso ao Plano de Reparação Integral da Bacia do Paraopeba.

“Estamos tentando entrar com uma ação judicial exigindo a apresentação desse plano até para que ele possa ser debatido pelas nossas comunidades atingidas”, afirma Dom Vicente, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte.

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A ação, segundo Marco Antônio Cardoso, morador de Brumadinho, advogado popular e articulador social da Renser, deverá ser embasada na Lei de Acesso à Informação, que regulamenta o acesso dos cidadãos às informações públicas e de relevante interesse público. Pare ele, a não divulgação desse documento expressa, mais uma vez, a negligência com as pessoas que sofrem os impactos do crime.

“Isso demonstra o papel do Estado, principalmente na figura da atual gestão, que é de descompromisso com as populações atingidas, com as populações mais vulneráveis, com os povos tradicionais que vivem no território de Brumadinho e na bacia do Paraopeba. A participação dos atingidos na elaboração desse plano é nenhuma e ela sempre foi cerceada durante todo o processo, até agora”, aponta.

Pedido de acesso

No dia 10 de fevereiro deste ano, a CNBB, por meio da Renser, encaminhou à Feam uma solicitação de acesso ao Plano de Reparação Integral construído pela Arcadis, empresa contratada pela Vale para elaborar o documento. No dia 26 do mesmo mês, a Feam emitiu um ofício assinado por Renato Teixeira Brandão, presidente da instituição, em reposta ao pedido realizado pela CNBB.

O ofício cita o acordo firmado entre Vale, Estado e Instituições de Justiça, ressaltando que “as medidas de reparação socioambiental integral dos impactos e danos decorrentes do rompimento corresponderão às ações, projetos e obras mensuráveis por meio de indicadores e não estarão sujeitas a limite pecuniário” e que os “parâmetros utilizados para fins de verificação da quitação de obrigações de recuperação integral socioambiental serão aqueles previstos nas normas brasileiras e indicadores definidos no Plano de Reparação Socioambiental, em elaboração por empresa contratada, custeada e de responsabilidade da Vale”.

Além disso, afirma que “será dada publicidade a todos os atos administrativos referentes à tramitação e aprovação do Plano de Reparação Socioambiental”.

Novamente, em 2 de março, a CNBB e a Renser emitem outra solicitação, uma vez que o ofício emitido pela Feam, apesar de conter uma série de informações, não disponibiliza o acesso ao Plano de Reparação Integral, “tampouco a autoridade pública ofereceu uma negativa formal ao pedido de acesso ao documento”, mencionam na carta.

O que é o plano

O Plano de Reparação Integral da Bacia do Rio Paraopeba é um documento elaborado pela Vale com ações de médio e longo prazo que contemplam medidas de reparação ambiental, econômica e social, envolvendo as diversas Secretarias do Governo.

No primeiro semestre de 2020, houve oito reuniões para debater o plano, com a participação da Vale, da Arcadis, da Feam, do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e do Instituto Estadual de Florestas (IEF). Também participaram o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Ministério Público Federal (MPF) e a Advocacia-Geral do Estado (AGE).

Para discutir qualquer possibilidade de reparação, precisamos ter acesso às informações dos planos

Nota da assessoria de imprensa do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), de junho do ano passado, informou que a Vale protocolou, ainda em outubro de 2019, três dos seis capítulos do plano de reparação para conhecimento do Estado. Na época, Luciana França, gerente da Feam, afirmou que os “debates ocorreram em conjunto com todas as partes interessadas citadas” e que “foram criadas as possibilidades para a Vale entregar um plano revisado e com todas as pontuações e diretrizes colocadas com qualidade para reparar ambientalmente” a região da bacia.

Falta de participação e conflito de interesses

“E mais uma vez constatamos a não participação dos atingidos e atingidas na elaboração desse plano que nós nem conhecemos na sua integralidade”, aponta Dom Vicente. “A nossa grande questão é esta, a mineradora vai apresentar um plano feito por entidades e empresas que estão ligadas a ela. Me parece que é tudo mais uma violação, apresentar um plano de reparação integral sem aqueles que são mais feridos. Isso é uma questão que dói demais na nossa luta”, completa.

O acordo fechado em fevereiro deste ano entre Vale, Estado de Minas Gerais e Instituições de Justiça prevê o valor de R$ 6,5 bilhões para recuperação ou compensação ambiental, sendo que esse valor pode ser ainda maior, pois não há teto para o investimento. Segundo informado pelo Instituto Guaicuy, os projetos de recuperação ambiental serão realizados conforme o Plano de Reparação Integral, após aprovação do Sisema e de auditoria ambiental contratada pela própria Vale. A reparação envolve, por exemplo, remoção de rejeitos, descomissionamento da barragem e melhora na qualidade de água.

:: Leia também: Atingidos pela Vale enfrentam problemas com água, questão não contemplada em acordo ::

Para discutir qualquer possibilidade de reparação, precisamos ter acesso às informações dos planos. Não entendemos o porquê de não terem sido disponibilizadas pelos órgãos competentes, já que influenciam diretamente na possibilidade de retomada de nossas vidas. Como acreditar na boa fé de uma empresa prestadora de serviços da mineradora que jogou lama em cima da gente? A empresa responsável por atestar a estabilidade da barragem da minha cidade também era uma prestadora de serviços da Vale. Há um claro conflito de interesses”, questiona Marina Oliveira, moradora de Brumadinho e coordenadora de projetos da Renser.

Os projetos de compensação, como universalização do saneamento básico nos municípios impactados e serviços ambientais de recuperação de áreas de cobertura vegetal nativa, serão propostos pela Vale e devem ser aprovados pelo Comitê de Compromitentes, formado pelas Instituições de Justiça e pelo Estado de Minas Gerais. No acordo, em nenhuma dessas ações está prevista a participação dos atingidos ou das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).

Edição: Elis Almeida