Rio Grande do Sul

POVOS ORIGINÁRIOS

Indígenas ameaçados em Porto Alegre conquistam reintegração de posse contra invasores

Comunidade Mbyá-Guarani está mobilizada na defesa de seu território contra investidas de loteamentos ilegais

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Terra indígena Pindó Poty, no bairro Lami, está em processo de resistência em meio à falta de ação da Funai por sua proteção - Reprodução APIB

Após mais de um mês lutando contra invasões em seu território, a comunidade Mbyá-Guarani Pindó Poty, localizada no bairro Lami, em Porto Alegre, obteve duas importantes conquistas na Justiça. A Comissão Guarani Yvirupa informa, em nota publicada neste quinta-feira (6), que a 9ª Vara Federal de Porto Alegre concedeu um pedido de reintegração de posse para a desocupação da área invadida por não-indígenas. Também concedeu pedido de interdito proibitório, que proíbe novas invasões e garante, juridicamente, a responsabilização de novos invasores.

A liminar foi deferida pela juíza federal Clarides Rahmeier nesta quinta-feira (6). Conforme a decisão, os invasores têm o prazo de dez dias para desocupar voluntariamente a área, “sob pena de expedição de mandado de reintegração e execução forçada, nos termos da lei e com apoio de força pública, se necessário”. Após o prazo, um Oficial de Justiça deve comparecer ao local para verificar se houve a desocupação.

“Estamos muito felizes, pois é um momento muito desafiador que a gente vem vivendo, pela nossa sobrevivência, pela nossa vida como povo indígena e, especificamente, como povo Guarani, conseguir fazer valer o direito que já existe”, comemora Eunice Kerexu Yxapyry, membra da Comissão Guarani Yvirupa e liderança da Terra Indígena Morro dos Cavalos, de Santa Catarina. “Essa vitória para nós na Tekoá Pindó Poty só vem fortalecer isso, garantir esse direito. E não é somente pra terra do Lami, a gente quer fortalecer também todas as outras aldeias e terras indígenas que estão passando por esse mesmo processo”, complementa.

A aldeia Pindó Poty é habitada por famílias do povo Mbyá-Guarani há no mínimo quatro décadas e, conforme lideranças, as ameaças são frequentes. Como há um procedimento de demarcação iniciado em 2012 e ainda não concluído, com essa nova invasão, dessa vez à luz do dia, as famílias sentiram-se mais inseguras e iniciaram um processo de resistência.

Roberto Liebgott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi-Sul), tem acompanhado a situação e reforça que as invasões no território no Lami ocorrem de forma sistemática. Ele conta que desde que a comunidade decidiu realizar as denúncias, o poder público tem adotado uma postura negligente com a situação. “Até hoje, a Funai nada fez no sentido de tentar coibir as invasões”, afirma.

A conquista da reintegração de posse é fruto da mobilização dos indígenas, que junto de apoiadores iniciaram esse processo de resistência envolvendo apoiadores e a Comissão Guarani Yvirupa. Foi após reunião com as lideranças indígenas que o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com as ações na justiça, no dia 30 de abril, buscando a proteção dos direitos dos Mbyá-Guarani.

Além da ação que pediu a reintegração de posse contra os invasores, o MPF buscou da União e Fundação Nacional do Índio (Funai) providências em relação aos andamentos do processo de demarcação da Terra Indígena iniciado em 2012. Com relação a este processo, a Comissão informa que em despacho na segunda-feira (4), o juiz responsável determinou que, tanto a União quanto a Funai, se manifestem no prazo de 72 horas em relação à demanda.

Mobilidade Guarani como resistência


Indígenas retiraram as cercas colocadas pelos invasores / Reprodução Comissão Guarani Yvyrupa

Ao mesmo tempo em foi feita a denúncia da situação por vias legais, indígenas de diversas aldeias foram até o Lami e realizaram atividades de fortalecimento de sua cultura e luta. Este processo caracterizou-se por um espaço de convívio e diálogo em roda do fogo e da espiritualidade do povo Guarani, e foi bem documentado através das redes sociais da Comissão Guarani Yvirupa. Entre variadas atividades, chamou atenção a ação direta em que os indígenas se uniram para derrubar as cercas e casebres instaladas no território pelos invasores.

“Estiveram lideranças indígenas de São Paulo, Santa Catarina, de várias áreas Guarani do Rio Grande do Sul, que se concentraram no Lami e passaram a desenvolver um processo muito bacana de mobilização, articulação e reivindicação junto aos órgãos públicos no sentido de coibir as invasões”, ressalta Roberto. Foi a partir dessa mobilização que foi obtida a liminar que determina a reintegração de posse e o interdito proibitório para que se evitem novas invasões ao território.

Kerexu explica que a reunião de lideranças de diversas aldeias foi um momento de fortalecimento da luta, que desde o início da pandemia encontra-se mais isolado como forma de cuidado. “Meu povo, Guarani, como eu brinco, ele é conhecido cientificamente como um povo nômade. Transita bastante. Nós chamamos isso de mobilidade, é ela que move a vida. Por exemplo, a terra é um corpo e ele precisa de movimento, quando ele começa a paralisar a gente começa a ver que a terra vai perdendo a energia.”


Parentes de diversas aldeias foram à Tekoá Pindó Poty para fortalecer a luta / Reprodução Comissão Guarani Yvyrupa

“Ir pra luta no Lami e fazer esses encontros, esses rezos, esses plantios, ajudar os rezadores a fortalecer a casa de rezo, ele faz parte dessa mobilidade que está paralisada pela pandemia. Foi um momento de muito fortalecimento do povo guarani. Fazer isso, essa mobilidade, é um desafio porque a pandemia não acabou. Embora todos os indígenas estejam vacinados, a gente sabe do risco que está correndo, então a gente está fazendo essa mobilidade para fortalecer a vida da terra e do povo também”, complementa Kerexu.

Ela faz questão de reforçar a certeza e esperança do povo guarani quando vai para uma luta. “Nós não vamos para esse confronto com o inimigo, mas com o sentimento e certeza daquilo que a gente está buscando. Com muito rezo, espiritualidade e nossa alegria, a gente coloca essa energia de uma forma muito boa em meio a um conflito muito tenso como era o da Pindó Poty, com interesses muito maiores por cima disso”, afirma.

Seguir atento

Mesmo com a vitória na Justiça, Kerexu entende que é preciso seguir atento. “Eu continuo chamando atenção que a gente precisa estar atento porque esse direito conquistado está fazendo valer, mas principalmente quem está invadindo precisa entender esse direito”, avalia.

Roberto destaca que a conquista alivia a pressão sobre a área, que já estava sendo loteada e desmatada. Mas chama atenção para outros problemas que precisam ser resolvidos. “Ainda há de observar que há um despejo de esgoto dentro da área indígena, é um esgoto canalizado que passa por debaixo de via pública e tem origem, segundo informações de Prefeitura Municipal de Porto Alegre, em uma escola no bairro Lami, e que passa por dentro do empreendimento comercial Bom Lami.”

O indigenista afirma que os dejetos desse esgoto promovem uma grande contaminação das águas e de todo o meio ambiente naquela região. “Essa também foi uma denúncia já apresentada aos órgão públicos e aguarda por medidas para que os responsáveis pelo despejo de esgoto sejam punidos e que se cesse, portanto, essa contaminação dentro do território Mbyá-Guarani Tekoá Pindó Poty.”


:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato RS no seu Whatsapp ::

SEJA UM AMIGO DO BRASIL DE FATO RS

Você já percebeu que o Brasil de Fato RS disponibiliza todas as notícias gratuitamente? Não cobramos nenhum tipo de assinatura de nossos leitores, pois compreendemos que a democratização dos meios de comunicação é fundamental para uma sociedade mais justa.

Precisamos do seu apoio para seguir adiante com o debate de ideias, clique aqui e contribua.

Edição: Katia Marko