Rio Grande do Sul

Coluna

Carta aberta de uma mãe democrática sobre aulas presenciais na pandemia

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"Saibam que há muitas pessoas da comunidade escolar pensando de outra maneira, solidárias a todas as pessoas que neste momento terão que voltar à escola, arriscando suas vidas" - Reprodução
As escolas não se constroem somente de 'donos de escola', de gestores oportunistas

Na coluna de hoje, compartilho a carta aberta de uma mãe democrática a professoras, professores, funcionárias e funcionários da Escola Marista Rosário, de Porto Alegre, e das demais escolas do Rio Grande do Sul.

Segue abaixo:

O trabalho com educação inclui leituras distintas do mundo e, principalmente, a tentativa de mostrar, em meio às leituras hegemônicas, outras maneiras de pensar e de viver que podem ser criadas. Ensinar a obedecer aos modos hegemônicos já foi tarefa da escola e continua sendo, muitas vezes. Mas há muito tempo questiona-se esta tarefa e já se construiu recursos suficientes para se compreender que a escola pode ser diferente.

Mas o que vemos nestes tempos fortalece uma ideia de escola obediente, que quer alunas(os) obedientes, aderindo aos mandatos mais sórdidos do mundo. Onde a vida das pessoas não está em primeiro plano, onde as ações individuais prevalecem, onde não é bem-vindo o pensamento sobre uma coletividade.

Uma escola que obedece a alguns pais e mães, dando-lhes o direito de não entenderem nada de educação, mas que, ao pagarem a escola, adquirem a função de consumidores com suas exigências em punho. Estes mesmos pais e mães que acreditam ser possível o retorno às aulas, em meio a tantas variáveis do vírus, à falta de vacinação, ao número assustador de mortes diárias em nosso país. Estes mesmos pais e mães que ensinam aos seus filhos e filhas que o melhor é obedecer a estas forças predominantes que devastam o mundo cada vez mais em nome do lucro.

Esta escola mostra para sua comunidade que mentir vale a pena, que mudar a cor da bandeira preta para vermelha, tática usada pelo governador para abrir escolas, não tem problema algum; que expor professoras(es) e funcionárias(os) sem vacinação não é um problema seu, não é um problema de uma elite que continua acreditando que tem sempre alguém que vale menos que ela e que está aí a seu serviço.

As escolas não se constroem somente de “donos de escola”, de gestores oportunistas, da aderência a estas medidas, da aderência a este conjunto de pais e mães que pressionam pela volta, sentindo-se pessoas lutadoras e conscientes, exigindo os seus direitos, irmanados com as políticas de morte. Não é estranho que temos um ex-capitão no comando do país e seus soldados por todos os cantos.

Não, a escola se faz também com outras forças. Com pessoas que não estão no mundo a obedecer, que preferem pensar e criar do que simplesmente seguir as ordens. Quanto vale a vida de alguém? Quanto vale a vida de uma professora, de um professor? De funcionárias (os)? Voltar às aulas, em escolas públicas ou privadas, é uma questão bem mais ampla que a vacinação somente. É a opção por um mundo desigual, servil aos valores mais baixos que nossa civilização construiu. 

Mas há outras forças em jogo, há sempre muitos combates. O trabalho com educação vale muito, apesar de nos mostrarem o contrário neste momento. Saibam que há muitas pessoas da comunidade escolar pensando de outra maneira, solidárias a todas as pessoas que neste momento terão que voltar à escola, arriscando suas vidas, sem vacinas. Há outras vontades, além desta vontade individualista que prevalece. E que bom que as escolas se contagiassem com elas e ousassem desobedecer a falácia da “economia não pode parar”. 

Gostaria de expor aqui o total repúdio a este retorno que expressa o desrespeito profundo com a educação, com vocês, com quem pensa um pouco além de interesses individualistas. E mais do que isto, expressa também uma escolha em ensinar às alunas e alunos das escolas que a ordem que se pretende hegemônica deve ser seguida, mesmo que ela seja mortífera. 

Mas lembremos que este não é um mundo único e que outras vontades - bem distintas – podem sempre abrir caminhos. 

Meu desejo é que, apesar de tudo isto, continuemos insistindo em ensinar e aprender um amor pela vida e não uma paixão pela morte."

Ana Helena Amarante
Porto Alegre -RS /29 de abril de 2021

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira