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Palestina: a ofensiva israelense não oferece trégua à pandemia nem à fome

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Palestinos protestam contra o bloqueio ao acesso a alimentos - Reprodução
Para Israel, o retorno à 'normalidade' parece significar a intensificação da expulsão de palestinos

Por Beatriz Gomes Cornachin*

Nas últimas semanas, a questão Palestina voltou a ocupar espaços nos meios de comunicação de massa e as diferentes imagens e relatos nos levam a questionar se o combate à Covid-19 foi ou continua sendo a prioridade dos países ou se, em algum momento, houve uma trégua nos conflitos geopolíticos já existentes. Seja pela situação delicada sob as quais os países – especialmente os de baixa renda – se encontram para obtenção de vacinas e insumos, seja pelos efeitos da intensificação de problemas provenientes da vulnerabilidade em que muitos povos se acham, como a fome e a insegurança alimentar, é lamentável observar ausência de tréguas nas tensões geopolíticas em períodos “normais” e, pior ainda, em plena pandemia. No caso da Palestina, dentre os aproximados 300 mil casos de Covid-19, ao menos 3.290 mortes foram contabilizadas

Levando em consideração a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, os palestinos totalizam aproximadamente 4,7 milhões de pessoas, sendo que a maior parte se encontra na primeira e dois milhões na segunda. Conforme dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), a insegurança alimentar moderada e severa é experimentada por, pelo menos, 2 milhões de palestinos, com maior ocorrência na Faixa de Gaza: 68,5% da população do território, correspondendo a 1,4 milhão de palestinos com dificuldades para se alimentar. Além disso, a elevada taxa de desemprego na região, em 49%, também dificulta a possibilidade de acesso ao alimento. 

No entanto, no caso da Palestina, a possibilidade de empregabilidade, ou ainda, a melhoria das técnicas agrícolas não seriam suficientes para diminuir ou erradicar a fome e insegurança alimentar, pois o avanço da fronteira e dos assentamentos israelenses significa, dentre outras coisas, menos terra disponível para cultivo e menor acesso aos recursos hídricos. Além disso, a entrada de fertilizantes e insumos diversos para a agricultura, mesmo quando provenientes da ajuda humanitária, depende da decisão das autoridades israelenses que, em diversas ocasiões, não permitiram as entregas sob a alegação de que poderiam ser utilizados para a fabricação de explosivos (algo que, tecnicamente, é possível). O cenário de dificuldade de acesso aos insumos impacta diretamente a produção e o preço de alimentos, como afirma a FAO

Desde a instauração do Estado de Israel na região, os conflitos árabe-israelenses passaram a compor intensamente os noticiários. Podemos citar a Guerra da Independência, que ocorreu logo após a instauração de Israel em 1948, na qual países árabes reafirmaram o que já havia sido dito antes mesmo da decisão da Organização das Nações Unidas sobre a discordância do local em que viria a ser o território israelense. Além da Guerra de Independência, podemos citar a Guerra de Suez na década de 1950, a Guerra dos Seis Dias, na década de 1960, e a de Yom Kippur, em 1973, sucedida, inclusive, pela crise petrolífera mundial. 

Em todas elas, o resultado foi o mesmo: a demarcação que a ONU realizara para a instauração do Estado de Israel era ignorada e, na prática, Israel aumentou seu território a cada novo conflito. Vale lembrar que as ofensivas israelenses, especialmente após a Guerra dos Seis Dias, contaram com o apoio dos Estados Unidos da América. 

Enquanto mais áreas eram “conquistadas” por Israel, menos terras existiam para os palestinos. Posteriormente, as limitações impostas ao povo palestino prosseguiram, com a construção do Muro da Cisjordânia no início dos anos 2000, separando áreas de Israel e áreas palestinas e restringindo a passagem dos palestinos para outras regiões. Além disso, desde 2007, a Faixa de Gaza sofre os impactos dos bloqueios aéreo, marítimo e terrestre impostos pelo Estado de Israel. 

Tal configuração conflituosa não se apresenta apenas nas relações entre os países, mas especialmente, entre a população palestina de um lado e as autoridades israelenses do outro. No desenvolvimento dos conflitos e das anexações das áreas por Israel, palestinos se veem na condição de refugiados. O que temos presenciado nos últimos dias, sobre a “escalada” dos conflitos na região, faz parte do que ocorre desde 1948: uma sistemática expulsão do povo palestino, resultando em mais de 700 mil refugiados que vivem na condição de extrema pobreza, dependendo de ajuda humanitária para se alimentarem. 

Assim, a ajuda alimentar enviada pela Agência das Nações Unidas de Assistência e Trabalho aos Palestinos no Oriente Médio (UNRWA) corresponde a dois terços das necessidades da população palestina em Gaza e, ainda assim, o bloqueio que começou em 2007 impediu por diversas vezes a distribuição de comida. Em fevereiro de 2021, após mudança no sistema de ajuda alimentar nos campos de refugiados de Gaza, palestinos realizaram manifestações em frente aos escritórios da UNRWA e, sob palavras de ordem contra a agência, carregavam sacos vazios a fim de simbolizar a falta de leite e farinha. Os principais fatores que contribuem para a escassez alimentar crônica estão relacionados ao bloqueio aéreo, terrestre e marítimo que Israel impõe, desfavorecendo, evidentemente, a possibilidade de abastecimento. 

Em abril de 2020, a entrega humanitária destinada à Gaza, que incluía kits de controle e combate à pandemia, foi condicionada por Israel à entrega de soldados israelenses desaparecidos desde 2014, após confronto.  Israel fechou também um centro de testes de coronavírus em Jerusalém Oriental sob alegação de que o centro recebia assistência da Autoridade Nacional Palestina (ANP).  Além da entrada de mercadorias, em agosto de 2020, Israel bloqueou o acesso de pescadores palestinos às águas territoriais de Gaza. Segundo relatório do Human Rights Watch (Observatório de Direitos Humanos), em plena pandemia, “em 2020, autoridades israelenses reprimiram e discriminaram sistematicamente palestinos de formas que excederam a justificativa dada de segurança”. 

Na região da Cisjordânia, os palestinos são submetidos a apresentarem documentações que os identifiquem para as autoridades israelenses nos seus postos de controle e muitas alegações de humilhação e violência são feitas. Algumas delas são filmadas e reproduzidas por meios de comunicação alternativos, especialmente em redes sociais de páginas palestinas. Além disso, na faixa de Gaza, o bloqueio israelense caminha para seu 14º ano, proibindo as viagens de palestinos da região e restringindo, significativamente, a entrada de mercadorias. 

Evidente que tal configuração de poder colabora para os mais de 80% de residentes necessitados de ajuda humanitária. Dentre outros conflitos, a região que tem alimentado os bombardeios em Gaza nas últimas semanas corresponde à disputa da área de Jerusalém Oriental, onde colonos israelenses reivindicam propriedade e solicitaram o despejo de famílias palestinas sob justificativas diversas (quando ocorrem). Neste contexto, as autoridades de Israel prenderam, entre abril de 2019 e abril de 2020, ao menos 850 palestinos.

Enquanto Israel projeta seu cenário pós-pandêmico, com aproximadamente 75% das pessoas acima de 20 anos imunizadas e o retorno à normalidade em diversos setores, a população palestina não pode experimentar uma trégua significativa na ofensiva militar israelense, evidenciando a continuidade de conflitos anteriores. Para o estado israelense, o retorno à “normalidade” parece significar também a intensificação do que ocorreu inclusive durante o ano de 2020: a expulsão dos palestinos e a retirada de itens fundamentais para a existência de um povo - pão, paz e terra. 


*Doutoranda em Economia Política Mundial – Universidade Federal do ABC (UFABC). Membro do Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (fomeri.org) da UFPB.
 

Edição: Cida Alves