Minas Gerais

IRRESPONSABILIDADE

Municipalização das escolas em MG pode diminuir pela metade investimento em educação

Proposta do governo de Zema (Novo) promete recursos adicionais que, segundo especialistas, é insuficiente

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Governador visita escola Escola Estadual Murgy Hibraim Sarah, em Santa Luzia, em fevereiro de 2019 - Foto: Gil Leonardi / Imprensa MG

O projeto Mãos Dadas, proposto pelo governo Romeu Zema (Novo) no mês passado, pretende entregar para os municípios as escolas de ensino fundamental.

Com o argumento de que o processo de municipalização deve aumentar a oferta de vagas nas unidades escolares, o governo promete investir R$ 500 milhões para a iniciativa. O recurso, que irá para as prefeituras, segundo a secretária de Estado de Educação Julia Sant’Anna, já está previsto na Lei de Orçamento Anual (LOA) de 2021 e pode ser usado para a construção de escolas, aquisição de mobiliários, execução de obras e de reformas.

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No entanto, Diego Oliveira, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em audiência pública realizada na ALMG no início deste mês, alerta que, apesar desse recurso adicional anunciado pelo governo, a maior parte dos municípios terão prejuízos, caso optem pela adesão ao projeto. O cálculo, segundo o economista, foi feito utilizando o valor anunciado pelo governo, dividido por cada município, o que dá pouco mais de R$ 1 milhão para cada.

“Na rede municipal, considerando 442 prefeituras que ofertam ensino nos anos iniciais e estão aptas a aderir ao projeto, atualmente é investido em média R$ 7,7 mil por aluno [por ano]. Se esse investimento se mantiver e for aplicado aos alunos que serão municipalizados, para se manter o nível da qualidade do ensino, o aumento na despesa será de 58%, com um déficit que pode chegar a R$ 1,3 bilhão”, assegurou.

"No projeto consta que esse repasse só será feito se o governo tiver dinheiro em caixa, um governo que está parcelando o 13º dos servidores públicos”, complementou.

Valor a ser repassado corresponderia à metade do custo aluno em Betim

No último dia 19, a Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) debateu novamente o assunto em audiência pública, convocada pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT). Luiz Fernando de Souza Oliveira, do diretor do Sindicato Único dos Trabalhadores no Ensino de Minas Gerais (Sind-UTE) de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), afirmou que 15 das 29 escolas estaduais do município serão afetadas pelo Mãos Dadas, o que envolve mais de 3 mil alunos.

A adesão de Betim ao projeto foi divulgada pelo governo estadual nesta quarta (26).

“O projeto está dourado, porque o que o governo fala não condiz com a realidade”, criticou o sindicalista na audiência. Ele se referiu aos recursos que o Executivo diz que investirá nos municípios. Em Betim, segundo levantamento do Sind-UTE, há o investimento de R$ 6,8 mil por ano e a verba que o governo repassaria ao município corresponde à metade desse valor.

Responsabilidade do Estado

A Constituição Federal prevê no artigo 211 que a União, Estados, Distrito Federal e municípios devem organizar em “regime de colaboração” os sistemas de ensino, de modo que ensino fundamental possa ser oferecido tanto pelos municípios quanto pelos Estados.

No entanto, conforme João Victor Oliveira, professor de história da rede estadual e coordenador executivo do Pensar a Educação, Pensar o Brasil, projeto vinculado a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o que está em questão nesse caso é a condição que cada ente tem ou não de se responsabilizar pelo ensino fundamental.

Adesão ao Mãos Dadas trará prejuízo financeiro para maior parte dos municípios que aderirem

“Se for só uma migração de responsabilidade do ponto de vista da logística é bastante cruel. Porque se não mexer na distribuição dos recursos, é como se eu passasse algo no meu cartão de crédito e desse para outra pessoa pagar. Ou seja, qual é a lógica?”, questiona João Victor. Para ele, o debate sobre a municipalização deve ser acompanhado com o a discussão sobre a necessidade de um maior investimento na educação pública. 

Falta de participação

“A proposta de municipalização tem que ser pensada em conjunto, com calma, cuidado, seriedade e em diálogo também ativo com os profissionais da educação”, completa.

Ao contrário disso, o projeto está sendo construído de forma antidemocrática e pode ser implantado sem a participação popular, na opinião de Analise da Silva, coordenadora do Fórum Estadual Permanente de Educação (Fepemg).

“Em agosto, as comunidades escolares serão comunicadas do que aconteceu, ao invés de agora elas estarem sendo convidadas para participar da discussão, para deliberar a respeito do que fazer. Na verdade, parece que o governo de Minas está admitindo sua incompetência em gerir a educação no estado”, avalia Analise, que também é professora da UFMG.

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A proposta do governo estadual, para Paulo Henrique da Fonseca, diretor do Sind-UTE, coloca os professores em situação incerta quanto ao próprio trabalho, e pode atingir cerca de 200 mil trabalhadores da rede estadual. Metade desses são contratados e, com a municipalização, poderiam perder o emprego. A outra metade seria transferida de escola, o que poderia gerar mais tempo de deslocamento e dificuldades no dia a dia.

“O que nós precisamos é que o governo cumpra o mínimo constitucional de investimento na educação, o que não vem cumprindo, tampouco na saúde, em plena pandemia. E faça uma política de valorização dos trabalhadores em educação”, aponta Paulo.

(Com colaboração de Wallace Oliveira)

Edição: Elis Almeida