Coluna

Muita cachaça, pouca oração e Bolsonaro

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O resultado são 15 milhões de desempregados e outros 6 milhões de desalentados, somando-se à coleção de recordes macabros deste governo - Evaristo Sá / AFP
A CPI deu uma amornada, mas ainda é cedo para dizer que ela não vai dar em nada

Olá!

O mundo, o mercado e o Papa parecem ter desistido do Brasil. Mas na falta de um exorcismo, a esperança está na combinação de CPI, pandemia e manifestações.

 

.CPIFlix. O depoimento de Mayra Pinheiro, a “capitã cloroquina”, não foi nada surpreendente: mentiu, reafirmou negacionismos, poupou Bolsonaro e desmentiu Pazuello em alguns temas. Como se esperava, depois do coquetel de Pazuello com cloroquina, a CPI deu uma amornada. Mas ainda é cedo para dizer que ela não vai dar em nada. Aliás, a fala do relator Renan Calheiros, que comparou a CPI ao Tribunal de Nuremberg, deve ser entendida como um aviso e não como fanfarronice. A nova lista de convocações revela um impasse: por um lado, ela traz mais uma vez Pazuello e Marcelo Queiroga, além de assessores da Presidência, mas por outro, inclui também nove governadores. O único consenso é que ninguém quer mesmo ouvir a voz de Silas Malafaia. A convocação dos executivos estaduais gerou divergência entre os membros da Comissão. Se a decisão prosperar, pode representar uma vitória da estratégia governista de tirar a responsabilidade de Bolsonaro e jogá-la no colo dos governadores, alimentando denúncias de desvio de verbas federais. Ou, ao contrário, a estratégia seria um tiro pela culatra: dos nove governadores convocados, sete são aliados de Bolsonaro. Com isso, a segunda temporada da CPI seria uma espécie de palanque antecipado das eleições estaduais de 2022. Porém, é possível que o STF barre a decisão, pois há o entendimento de que a Constituição veta que Comissões convoquem chefes do Executivo. Nesse caso, Bolsonaro também seria poupado, já que está na lista de Randolfe Rodrigues (Rede-AP) para ser chamado. É verdade que o depoimento de Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, mostra que além da Pfizer, Bolsonaro também atrasou a compra da Coronavac desde o ano passado. Porém, apesar das muitas evidências, até agora a CPI não foi coroada com a delação de algum aliado notório do governo ou com uma evidência material decisiva.

 

.Crise em combo. Mesmo em água morna, a CPI pode funcionar como um amplificador da crise brasileira. Disso dependem outras variáveis. Uma delas é a evolução da pandemia. Na verdade, a terceira onda já começou em alguns estados, como Rio de Janeiro, Amapá, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Sergipe e Santa Catarina, onde as filas para leitos de UTI são permanentes. Se o prognóstico da Fiocruz se confirmar, na próxima semana assistiremos a um recrudescimento das contaminações e mortes, tudo isso impulsionado pela chegada de novas cepas como a indiana e a P.4, identificada no interior de São Paulo. E o pior é que as únicas soluções possíveis - intensificar a vacinação, controlar as portas de entrada no país e garantir o isolamento físico - são aquelas que o governo sabota. A única preocupação de Bolsonaro é contestar as medidas restritivas dos governos estaduais no STF, alimentando o discurso golpista que luta pela liberdade individual contra o sistema. Quanto à vacina, projeções feitas pela USP mostram que, se mantido o ritmo atual, a imunização de toda a população só terminará em fins de 2022. Mas talvez a paciência da maioria com o clima de suspensão da normalidade não dure até lá. As manifestações pelo Fora Bolsonaro, agendadas para o sábado (29) servirão como um termômetro para testar a força da esquerda e a disposição de luta da sociedade. Convocados pelas centrais sindicais, pela Frente Brasil Popular e pela Frente Povo Sem Medo, as pautas são amplas e incluem o aumento do valor do auxílio emergencial, intensificação da vacinação, o fim da violência contra a população negra e a reversão dos cortes de verbas na educação. A decisão da esquerda, que ao longo da pandemia viveu um impasse entre convocar manifestações de rua ou defender as medidas de isolamento, representa uma inflexão tática no sentido de elevar a temperatura contra o governo. Há protestos agendados em mais de 85 cidades do país. E, mesmo sem impeachment no horizonte, a combinação de CPI, agravamento da pandemia e manifestações de rua pode tornar a vida do governo ainda mais difícil.

 

.Quem manda, quem obedece. O ato de Bolsonaro e Pazuello com os motociclistas no Rio de Janeiro no dia 23 não foi apenas mais um comício da turnê do Covid. O capitão e o general dobraram as apostas. Segundo o artigo 45 do Estatuto Militar, oficiais da ativa não podem participar de atos políticos. Pazuello, que não é bem visto pelos colegas de farda há tempos e desconfiando que não vai contar com a corporação para escapar da CPI, se agarra definitivamente ao ex-chefe como tábua de salvação. E Bolsonaro, saindo em defesa do mais fiel dos seus ex-ministros da Saúde, proibiu a manifestação pública da Defesa e do Exército sobre o caso. Com isso, ele risca uma linha e desafia o novo comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, partidário da punição exemplar para Pazuello. Volta à pauta um tema recorrente na relação de Bolsonaro com os militares: a necessidade de afirmar que quem manda é o capitão. Em nenhum lugar do mundo existem forças armadas sem disciplina. Alguns dias antes do referido ato de Pazuello, o governista general Augusto Heleno defendeu punição severa para militares na ativa que participassem de atos políticos. Aliás, vale lembrar que indisciplina e quebra de hierarquia foram as justificativas usadas para o golpe de 1964 que os militares tanto idolatram. E Bolsonaro, como ex-militar, deveria saber que conspirações silenciosas e golpes são a especialidade da casa desde 1889. Guardar rancor, como Dilma e a Comissão da Verdade sabem, é outra especialidade. Talvez agora Bolsonaro receba apenas o silêncio, mas a fatura pode ser cobrada mais adiante.

 

.Fim de festa. O ato no Rio de Janeiro também demonstra que, diante da queda de popularidade e do crescimento de Lula nas pesquisas, Bolsonaro voltou definitivamente à "fórmula Carluxo": alimentar "coisas para a internet", torcer para a semana terminar logo e aglomerar com os seus seguidores no final de semana. Ao contrário da recomendação de alguns adultos no Planalto para que Bolsonaro investisse em... vacinação. E não se sabe quem resolverá os problemas criados pelo próprio governo. O Estadão continua investigando o orçamento secreto do Ministério do Desenvolvimento Regional e já topou com contratos milionários para empresas com capacidade inferior para operar. Já Ricardo Salles vê novos dados emergirem na investigação da PF sobre sua ligação com tráfico ilegal de madeira, envolvendo movimentações financeiras suspeitas de seu escritório. As apurações no caso envolvendo também o presidente do IBAMA são contundentes o suficiente para acionar o engavetador geral da República Augusto Aras em uma manobra em defesa de Salles. E a Igreja Universal ameaça deixar o condomínio bolsonarista, incomodada com a falta de apoio do governo na disputa da igreja com o governo angolano e religiosos locais. A saída de Flávio Bolsonaro do Republicanos, partido da Universal, seria um sinal de que a relação não anda tão íntima. A onda conservadora e a oportunidade reuniu militares, neopentecostais, lavajatistas, agronegócio e centrão sob o guarda-chuva do bolsonarismo. Bolsonaro discursa para seus seguidores mais fiéis, mas vai ter que explicar para estes outros setores porque é que eles deveriam continuar sob o guarda-chuva, como foi em 2018, o antipetismo. Já para 2022, o antibolsonarismo promete ser o grande elemento agregador, só que do outro lado, com ensaios de unidade e engajamento, como as assinaturas de Felipe Neto e Xuxa num pedido de impeachment.

 

.Terceirizado. Desde que o mercado financeiro se decepcionou com Bolsonaro, coube a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco a tarefa de interlocução entre Brasília e a Bovespa. Mesmo porque, ao que tudo indica, o governo terá dinheiro em 2022, mas o capitão só pensa em gastar com sua base, isentando caminhoneiros e motoqueiros. Assim, com Bolsonaro em eterna campanha eleitoral e Paulo Guedes definitivamente convertido numa figura folclórica, prometendo programas e índices que nunca saem da sua imaginação, Arthur Lira acumula as funções de primeiro-ministro e ministro da Economia. Sua função é acalmar o mercado e ao mesmo tempo atender sua base política, o centrão. Neste casamento, o mercado financeiro espera construir uma relação que imunizaria mudanças de rumos radicais na economia num hipotético governo Lula. Por outro lado, o Congresso em geral e o centrão em particular, ao contrário do discurso de austeridade, gostam de um bom investimento público. Daí, a engenharia de Lira em acelerar a reforma administrativa e as privatizações da Eletrobrás e dos Correios, mas ao mesmo tempo tirar o pé da reforma tributária e apostar nos marcos regulatórios. Nada disso recuperaria de fato a economia, mas atenderia aos ânimos do mercado em conta-gotas. Aliás, o austericídio e a reforma trabalhista são dois fatores que agora impedem a economia de se recuperar, diminuindo o consumo e fechando postos mesmo na informalidade. O resultado são 15 milhões de desempregados e outros 6 milhões de desalentados, somando-se à coleção de recordes macabros deste governo. Mesmo assim, apesar da pandemia e da falta de insumos, alguns setores dão sinais de recuperação, como a construção civil e o mercado de carros usados

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Com motociatas, bolsonarismo tenta se apropriar de rolezinhos de motoboys e entregadores. Apuração do Núcleo Jornalismo demonstra como foram construídas nas redes sociais a motociatas e o que isso revela sobre a estratégia de Bolsonaro para 2022.

.O vírus pré-histórico que pode estar ligado a mortes por covid. No Nexo, Cesar Gaglioni explica a descoberta do Instituto Oswaldo Cruz sobre o vírus ancestral que potencializa as mortes por Covid-19.

.George Floyd: um ano do levante global que entrou para história da luta antirracista. O Brasil de Fato relembra como a  morte de Floyd impulsionou protestos em todo o mundo e quais as consequências um ano depois de sua morte.

.Nem trabalho nem escola nem auxílio nem vacina. Vinte e um anos, dois filhos e vivendo de doações e pequenos trabalhos. A Piauí relata a rotina de um jovem sem auxílio na periferia de Maceió.

.No limite, São Francisco sofre com pressão do setor elétrico. A agência DW retrata o impacto das usinas hidrelétricas no Rio São Francisco e na sobrevivência de milhares de ribeirinhos.

.Nelson Sargento, 95 anos lembrados em imagens. Em homenagem ao grande poeta da Mangueira levado pela pandemia, resgatamos a reportagem de O Globo publicada em 2019 sobre a vida de Nelson Sargento.

 

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Ponto é uma publicação do Brasil de Fato. Editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo