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A China, a América latina e as transformações no mundo

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Os interesses coletivos de justiça social, de sobrevivência da espécie humana e da biosfera do planeta devem se sobrepor pois são projetos de longo prazo. - AFP
O caminho brasileiro será único e específico

O diálogo sobre a experiência chinesa de transformação social e a sua análise à luz da realidade brasileira, sem preconceitos ou posturas enviesadas, é importante num mundo de grande transformação social e mudanças na geopolítica internacional. Essa análise deve sempre ter como premissa a pesquisa séria e a compreensão das especificidades de cada realidade histórica e social. Nesse esforço e no âmbito da educação, por exemplo, foi realizado o primeiro encontro sobre essa política pública no Brasil e na China, de 10 a 13 de maio deste ano, numa promoção da Universidade Federal da Bahia (UFBA) com a Renmin University, a Beijing International Studies University, a Cátedra de Educação Básica da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio do Governo da Bahia e do Instituto Confúcio. Ainda é possível assistir à toda a programação.

Mais recentemente, em 11 de junho, tivemos um segundo evento, o “Resplendence and Mission: the Centenary of the Communist Party of China and the World” - International Academic Conference Agenda, uma promoção da Renmin University em parceria com diversas outras instituições chinesas e a participação de representantes do Brasil, Chile, Argentina, Cuba, Zimbabwe, Tanzânia, África do Sul e Inglaterra. Sobre essa temática, muito foi debatido num intercâmbio acadêmico importante que gerou parcerias de pesquisa, e cabem aqui algumas considerações. Um elemento que está muito presente na experiência chinesa foi a compreensão de que para o socialismo dar certo, ele deveria fazer as forças produtivas se desenvolverem rapidamente para permitir a inclusão social de toda a população, com a superação da fome e da miséria. Essa experiência deveria ter uma economia competitiva, capaz de ter uma produtividade suficiente para manter a experiência socialista viva no cenário internacional. E isso foi alcançado mantendo-se o núcleo principal da economia chinesa com o Estado, com o sistema financeiro, as empresas de energia e mineração, além de muitas estatais que permitiram que o Estado tenha um papel indutor do desenvolvimento, que possa envolver e direcionar os diversos outros setores econômicos.

Ao lado disso, há uma miríade de diferentes experiências produtivas na China, de diferentes naturezas, algumas sendo mais socializantes, outras mais privadas. Mas todas seguindo a orientação do planejamento econômico quinquenal do Estado, que estabelece as diretrizes de investimento e é responsável por taxas de crescimento que já colocam a China como principal potência econômica mundial. Na China existe a pequena propriedade rural privada, empresas das vilas espalhadas em todo a área rural (Vilages and Townships) que produziam para muitas regiões e até para fora do país; cooperativas, empresas de propriedade coletiva e muitas empresas privadas, pequenas e grandes. Mas todas dentro do planejamento estatal da economia, que se refaz a cada cinco anos sob a liderança do Estado e do partido comunista. Os empresários brasileiros, excluindo-se os banqueiros, agiotas, mineradoras e exploradoras de petróleo poderiam conhecer melhor a experiência oriental que permite conjuminar distribuição de renda, rentabilidade de empresas e eficiência de todo o sistema. O credo neoliberal só prejudica a maior parte dos empreendedores brasileiros, que não estão no âmbito do capital financeiro.

Não era necessário nem desejável no socialismo que toda economia fosse estatizada, as atividades empresarias cumpriram um papel central na modernização do país para alcançar produtividade e competitividade internacionais. E essas empresas são estimuladas e induzidas pelo Estado a crescer e disputar mercados estrangeiros, a exemplo das empresas de tecnologia, software e hardware e as empresas ligadas à internet, como a tecnologia de 5G na qual os chineses estão na vanguarda mundial.

Mas a liderança desse processo está no Estado e nas empresas estatais que concentram 149 grandes conglomerados sob um comitê estatal que delineia sua atuação, e que por ela “puxam” as demais empresas nas inciativas econômicas de grandes projetos e novas fronteiras de investimento. A diversidade das empresas na China está articulada pelos planos quinquenais; Existe o estímulo à produção pelo Estado, não existe o capital financeiro privado, e esse conjunto tem demonstrado capacidade para superar os Estados Unidos e a Europa, especialmente agora com a iniciativa do “One Belt, One Road”, ou a “Nova Rota da Seda”, que integrará toda a Ásia e Europa, chegando ao leste da África com grande integração de rotas de comércio e construção de infraestrutura.

Essa visão chinesa contribui para uma versão mais heterodoxa de socialismo ou para estratégias reformistas empregadas também na América Latina, como no Brasil nos governos de Lula e de Dilma. Nesses dois governos houve o objetivo de garantir um desenvolvimento das forças produtivas que levasse a economia a crescer para todos com redistribuição de renda, aumento da capacidade de investimento, empreendimento do Estado e um crescente protagonismo no planejamento de longo prazo.

Esses aspectos são contribuições da experiência chinesa e de governos de esquerda e populares na América Latina nos dias atuais. No caso do país socialista, se fazem presentes os seguintes aspectos: a busca por um caminho próprio que utiliza o instrumental teórico do marxismo e o conhecimento da realidade histórica própria de cada país; a busca pelo multilateralismo e de uma nova arquitetura econômica mundial; uma visão aberta à diversidade de empreendimentos econômicos orientados pelo Estado como planejador, indutor, financiador e em muitos casos empreendedor. Depois que passamos pela década de 1990 no século passado sob a ideologia do “deus capitalista” e do neoliberalismo, forja-se hoje um outro referencial internacional de sociedade, de economia, de políticas públicas. Renasce a esperança de um mundo mais justo, sustentável, harmonioso em novas bases, bases que permitam a plena realização do ser humano, sem explorados ou exploradores.

O caminho brasileiro será único e específico, mas a observação das experiências no plano da geopolítica mundial permite um estudo comparativo e a adoção de instrumentos e práticas que demonstram serem mais exitosas. O planejamento econômico e social orientado pelas prioridades do conjunto da população, tendo o Estado como instrumento, e não apenas pelos interesses de poucos decisores em empresas privadas, é inclusive o caminho para que se faça uma transição ecológica da economia e se evite os imensos desastres ambientais que já estamos vivendo, como aquecimento global, climas extremos, poluição, destruição da biodiversidade terrestre e marinha, acidificação dos oceanos, uso intensivo de nitrogênio e fosfato que destroem o meio ambiente. 

Os interesses coletivos de justiça social, de sobrevivência da espécie humana e da biosfera do planeta devem se sobrepor pois são projetos de longo prazo, e os projetos isolados que buscam o lucro imediato, sem preocupação com a sustentabilidade provocam a sua própria destruição. Um novo paradigma de sustentabilidade, justiça social e planejamento econômico e social que represente os interesses das maiorias será não somente uma opção teórica para a sociedade, mas uma escolha imperiosa para que se evite uma nova extinção em massa no planeta.

Edição: Jamile Araújo