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A gaúcha Rosa Weber e os pesadelos

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A ministra gaúcha Rosa Weber, em sua homenagem aos 15 anos da magistratura no STF, da ministra Carmen Lúcia, destacou o esforço cotidiano das mulheres para serem ouvidas em todos os ambientes, ao longo da história do Brasil
A ministra gaúcha Rosa Weber, em sua homenagem aos 15 anos da magistratura no STF, da ministra Carmen Lúcia, destacou o esforço cotidiano das mulheres para serem ouvidas em todos os ambientes, ao longo da história do Brasil - Foto: Agência Brasil
Em nome dos nossos mortos, disse Carmen Lúcia, precisamos aprender a fazer valer nossas vidas

Que semana.

Dia 23 de junho o ministro Ricardo Salles pediu demissão, por motivos pessoais. E de imediato um novo ministro foi nomeado. Considerando a agilidade da substituição percebe-se que não houve surpresa para o presidente da República. E isso deve servir de alerta para todos os ministros que ele eventualmente venha a cobrir de elogios. Os substitutos devem estar prontos, para todos os cargos. Vejam que Ricardo Salles no dia anterior havia sido incensado por Bolsonaro com um público e sonoro “parabéns... você faz parte dessa história”.

Aparentemente as acusações de corrupção que inviabilizaram aquele ministro, e que estão se generalizando no governo, podem ajudar a entender o momento de seu descarte. Afinal, a CPI da Covid apresentou, no mesmo dia, algo que o Renan Calheiros dizia ser indicativo de intermediações e tramitações nebulosas, envolvendo compras de vacinas da Índia, onde os dispêndios seriam da ordem de 1 bilhão de reais. Como agravante, aquele relator comunicou que estaria solicitando proteção policial às suas testemunhas.

Para minimizar o dano, o gaúcho Onix Lorenzoni foi à TV, onde fazendo caras, bocas e olhares enviesados, tratou de desaforar, acusar e ameaçar os denunciantes. Esbravejou, levantou e saiu, sem comentar os fatos e sem aceitar perguntas. Foi uma coletiva de imprensa muito especial, onde os jornalistas serviram de plateia. Se nós, que assistimos pela TV, ficamos insatisfeitos, imaginem eles, que acorreram até lá para compor de figuração muda.

No dia anterior o também gaúcho deputado Osmar Terra havia estado na CPI. Ali afirmou que, em sua opinião, o fato dele haver tomado remédios que não funcionam, num tratamento precoce sem sentido, teria possivelmente salvo sua vida, ou quem sabe evitado sequelas maiores do que o grau de comprometimento que hoje afeta seus pulmões. Ele reconhece que errou nas previsões sobre a pandemia. A covid, de fato, não é uma gripezinha. Mas quem não erra?

Aqui o problema está na reafirmação do erro, na indução de descuidos que podem levar outros a caírem na mesma armadilha. Afinal, se trata da palavra de um médico com amplo acesso à Presidência da República. Um médico relevando o fato de ter sido salvo pelos privilégios de uma vida coberta de cuidados, com boa alimentação, com garantia de acesso rápido a sistema hospitalar de qualidade e outros aspectos de diferenciação negados à maioria dos brasileiros. Um médico, minimizando o papel dos atendentes, que o salvaram, apesar da cloroquina e não por conta dela. Um médico insistindo em afirmativas que podem motivar outros, que confiam nele, a ilusões e enganos que podem ser mortais. É ou não é algo de causar vergonha?

Há pouco havíamos assistido outro gaúcho, o senador Heinze, sendo desmentido em outras audiências da mesma CPI. “O senhor está mentindo” repetia para ele o também senador Randolfe Rodrigues, vice presidente daquela Comissão Parlamentar de Inquérito.

Vergonhas sucessivas, que estão se tornando uma espécie de regra, entre os gaúchos apoiadores deste governo equivocado. E elas se repetem em atitudes do nosso governador Leite, do prefeito Melo, ou mesmo daquele desembargador que sem tempo de ler o processo preparado pelo ex-juiz Sérgio Moro, reconhecidamente parcial e descumpridor das normas judiciais, assegurava que o texto seria “irretocável”.

Já são tantos os momentos em que gaúchos ocupando postos de representação não perdem oportunidade para nos envergonhar, que temo que venhamos a ser reconhecidos no Brasil, como gente que não merece credibilidade e confiança.

Por isso foi um alívio e um prazer, motivo de orgulho, escutar também no dia 23 de junho, fala da ministra gaúcha Rosa Weber, em homenagem à também ministra Carmem Lúcia.

Ambas, aliás, votaram pela parcialidade do ex-juiz Moro, recuperando com seus votos os direitos políticos surrupiados do ex-presidente Lula. A Decisão havia sido tomada, efetivamente, em 23 de março, mas por manobra envolvendo pedido de vistas do ministro Marco Aurélio, só foi confirmada em 23 de junho.

Na ocasião, como vimos pela TV Senado, os ministros Marco Aurélio e Fuchs fizeram sua parte. Derrotados desde março, ilustraram sua forma de ver o mundo. Para eles, “criminoso” estaria sendo politicamente “ressuscitado”. Frases de efeito constrangedoras e ofensivas à realidade. A decisão já tomada, há meses, pelo STF, garantia que o réu havia sido perseguido por juiz parcial, e sofrera verdadeiro assassinato político, ao longo de sete anos. Aliás, o episódio reafirmava o dito aquele procurador aliado ao juiz parcial: “in Fuchs we Trust”. Felizmente estes não são gaúchos.

É importante destacar que ao final daquela sessão do STF, o jurista Pedro Serrano interpretou que os votos dos que pretendiam manter o posicionamento de Moro como válido, mesmo após a maioria do STF já haver consagrado sua incompetência e parcialidade (por ofensa à Constituição e ao direito), talvez se justificassem razões políticas ou afetivas. A parcialidade do ex-juiz Moro já havia sido suficientemente demonstrada por Ricardo Lewandowski, Nunes Marques, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmem Lúcia e Rosa Weber.

Vencidos, Marco Aurélio e Fuchs tiveram bom espaço na grande mídia, que por algum motivo não escutou, no dia 23, os outros sete ministros. Aliás, entre os quatro derrotados se incluem Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin.

Pedro Serrano apontou sete argumentos da defesa, ignorados pelos quatro votos vencidos, e pediu que não esquecêssemos o fato mais relevante, que merece ser aqui repetido:

O ex-juiz Sérgio Moro mandou espionar e gravar conversas dos advogados de defesa, e destes com o réu. Depois, passou as gravações aos procuradores, e combinou com eles práticas de atuação e montagem de peça acusatória que permitisse justificar minimamente a condenação desejada. Como comentou o advogado Cristiano Zanin, com a decisão do STF venceram o Estado de Direito, a garantia de processos legais, a Democracia e as prerrogativas estabelecidas na Constituição Federal. Aliás, ele destacou que Lula já teve 15 decisões favoráveis. Vitórias ou arquivamento de processos em todos os casos onde a decisão não ficou restrita à visão da 13ª Vara de Curitiba. Apenas ali, onde os processos foram conduzidos por juiz reconhecidamente parcial, os resultados foram distintos, e por isso agora estão sendo corrigidos.

Enfim, o STF reconheceu que estavam certos os brasileiros que construíram o Movimento Lula Livre, que criaram e mantiveram o acampamento em Curitiba, que não caíram no trote dos golpistas. Mas o desafio não está encerrado. Enquanto toda a Nação sofre as consequências, o  juiz venal que mandou prender o Lula, que ajudou a eleger o atual presidente para logo ocupar cargo de ministro da Justiça em seu governo, hoje é homem rico vivendo fora do país.

Mas estou me alongando e não tratei do principal. Interessa comentar aqui a fala da ministra gaúcha Rosa Weber, em sua homenagem aos 15 anos da magistratura no STF, da ministra Carmen Lúcia.

Rosa Weber iniciou revelando a presença de apenas três mulheres entre os 169 ministros do STF, apenas cinco entre os 27 do TST e somente seis mulheres, entre os 36 ministros do STJ. Ilustrava com isso o esforço cotidiano das mulheres para serem ouvidas em todos os ambientes, ao longo da história do Brasil. “Vozes silenciadas por olhos dos que não as querem ver”, disse ela.

Esta realidade, cenário de disputas permanentes, estaria agravada neste momento de obscurantismo refratário à ciência, à igualdade e à justiça. Por isso, todos os esforços para abrir espaços de equidade seriam desafios e necessidade reveladores da dimensão e da relevância dos posicionamentos de Carmem Lúcia, em seus 15 anos de atuação no STF. A resistência e a retidão de Carmem Lúcia sinalizariam avanços civilizatórios que Rosa Weber escolheu ilustrar com versos de Thomas S. Eliot: atitudes e ações capazes de “transformar as trevas em Luz e o repouso em dança”. Exemplos de empenho voltado à romper paradigmas, com integridade, em postura ética, respeitosa às instituições e plenas de amor à democracia.

Para Rosa Weber, a ministra Carmem Lúcia reafirmaria, com sua prática, que todas as formas de preconceito merecem repúdio e devem ser enfrentadas de pleno, pois as lutas das mulheres, como de todos os discriminados, seriam permanentes e ainda estariam longe de acabar. Enquanto existirem ações de violências, disse ela, as mulheres precisam se posicionar. Não para garantir seus direitos, mas principalmente para não precisar provar, reiteradamente, que todos e todas podem e devem ter seus direitos reconhecidos e respeitados. “Juízas deste tribunal sofrem preconceitos” (...) “Esta Sociedade patriarcal, sexista, misógina precisa ser enfrentada”, disse ela, antes de concluir citando Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso... o que a vida quer da gente, é coragem”.

Lindo!!! Este é o espírito gaúcho que precisamos recuperar e defender. Obrigado, ministra Rosa Weber.

Na sequência, a ministra Carmen Lúcia agradeceu com modéstia e clareza dizendo que temos vivido momentos especialmente tristes na República... Por que morreram 500 mil? Não. Porque a cada caso todos estamos morrendo um pouco. Ficando órfãos, em espaço onde não existe limite para a dor. Uma sociedade de órfãos pelos filhos, pais, mães, amigos, onde resta a todos trabalhar com afinco, dentro de nossas obrigações constitucionais.

Em nome dos nossos mortos, disse ela, precisamos aprender a fazer valer nossas vidas.

Precisamos fazer florescer o Estado democrático, para que a igualdade prevaleça e todos que de alguma forma estão sendo invisibilizados, venham à luz. Temos responsabilidades com a Constituição Federal, que precisa ser guardada, defendida, protegida.

Ela encerrou lembrando a música Pesadelo, de Paulo César Pinheiro, que de fato se aplica bem aos momentos atuais, e que pode ser escutada a seguir.

Em tempo as citações podem não ser literais, porque foram anotadas à mão, durante transmissões ao vivo da TV Senado e Globo News (23 de junho) e dos programas de entrevistas Live Especial com Pedro Serrano (DCM TV - 23 de junho) e Bom Dia 247 (24 de junho).

 

 

Confira também a coluna em áudio.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko