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Coluna

O velho desgoverno Bolsonaro se entrega para o velho centrão

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bolsonaro e collor
O ex-presidente Fernando Collor (PROS-AL) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
É desde o período Collor que podemos observar a formação orgânica do que hoje chamamos de centrão

O desgoverno Bolsonaro se jogou de vez nos braços do centrão, e sepultou de vez o discurso que ainda convencia alguns de que era diferente e que mudaria a lógica da velha política, não entrando na histórica ciranda do toma lá dá cá de distribuição de cargos e proventos.

Isso foi o que se constatou nos recentes acontecimentos no país, com o anúncio do desgoverno Bolsonaro de fazer uma minirreforma ministerial que usa a força centrípeta do governo para fazer o centrão desembarcar em seu mandato e sua gestão, que diga-se de passagem, é desastroso em todas as áreas e lugares em que atua. E quando falamos da tática adotada pela cúpula Bolsonaro, essa é de busca um fôlego para aguentar a ofensiva popular que pressiona o presidente da Câmara Legislativa para abrir o processo de impeachment.

Por que afirmamos que o governo Bolsonaro é mais do mesmo da política tradicional somado à carrancuda expressão violenta da extrema direita? Dizemos isso por dois motivos importantes de viés sociológico que precisamos analisar: infelizmente está enraizada na política brasileira a lógica clientelista de gestão dos governos durante a História do Brasil. Essa lógica tem acolhida nos mandatos proporcionais, seja de deputados federais ou de senadores, falando somente nas esferas nacionais. Claro que é preciso nesta análise considerar as exceções. Exceções que na imensa maioria das vezes estão no campo que denominamos democrático e progressista, em que se incluem os partidos de esquerda e de centro-esquerda.

Fora isso, a geleia que se mistura no Congresso Nacional é de três ou quatro grandes grupos de partidos políticos, enquanto os demais partidos organizados ficam no que se convencionou chamar de baixo clero ou, como se diz nos dias de hoje, no centrão, que é composto por grupos independentes e soltos, que, por interesses de sobrevivência, se organizam para ditar os rumos que a política seguirá, fazendo reféns aqueles que não se submetem aos seus desejos políticos e, quando interessa ao centrão, desidrata as ações de governos que precisam de apoio no Congresso, deixando-o isolado e sem apoio político.

Essa força política que agrupa esses setores independentes é histórica no Brasil e atua desde a abertura política do país, com a volta de um presidente civil a comandar o Brasil, que fora Tancredo Neves, que nem chegou a tomar posse em decorrência de problemas de saúde. Em seu lugar tomou posse um oligarca, José Sarney, e, sob a sua condução na presidência da república, foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte de 1986, que teve, entre outras funções parlamentares, a função de escrever a nova Constituição Brasileira, feita sob a liderança histórica de Ulisses Guimarães, que entregou ao país em 1988 a Constituição Cidadã. Esse processo político se desdobrou além do esperado e a conjuntura política da época propiciou mais um ano de mandato para o Presidente Sarney e que acabou convocando as primeiras eleições livres, diretas e soberanas para presidente da república somente em 1989; eleição que, em uma disputa acirradíssima levou Collor de Mello ao poder por um partido nanico que havia se formado poucos anos antes das eleições, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN).

É desde esse período que podemos observar a formação orgânica do que hoje chamamos de centrão. É preciso que se frise e se descreva isso do ponto de vista histórico: pelo fato de termos no Brasil uma política dualista, que elege o executivo federal e de outro lado o legislativo federal, Câmara e Senado; assim como o mesmo acontece nos estados da União, onde se elegem os governadores e prefeitos e de outro lado se elegem os deputados e vereadores.

Isso faz com que o centro das decisões se concentrem em duas esferas, o Executivo e o Legislativo. E aí que está a ordem de problemas que leva a dependência dos executivos, que pela distribuição histórica de cargos e proventos desenvolve o que se chama na ciência política de “força centrípeta”, ou seja, para atrair os votos dos deputados para que um governo possa formar maioria na Câmara e no Senado para aprovar as leis que o governo depende para poder desempenhar suas funções executivas. E isso é próprio do sistema político brasileiro que chamamos de presidencialismo de coalizão, aos moldes dos EUA. Outro modelo diferente desse presidencialismo de coalização estadunidense seria o sistema parlamentarista que vigora na maioria dos países da Europa, herança de modelos políticos sistêmicos da divisão geopolítica do mundo após a Segunda Guerra Mundial, que dividiu o mundo geopoliticamente em três grandes áreas de influência controladas pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), pela Inglaterra e pelos Estados Unidos após as históricas Conferências de Yalta e Potsdam.

Enfim, o fato é que o presidencialismo do Brasil não vive se não tiver uma boa base de apoio no Congresso Nacional, base essa que nos sistemas parlamentaristas são definidas a partir do resultado das eleições, em que os partidos que fazem a maioria das cadeiras do legislativo automaticamente elegem o representante político que governará o país, ou seja: ocupará o cargo equivalente à presidência. Os exemplos aqui são os parlamentos europeus da Inglaterra, França, Itália, Japão, entre outros.

Voltando ao exemplo do Brasil, o presidencialismo precisa de uma ampla base de apoio no Congresso e o que nos demonstra a história política do país é que se faz de tudo para obter essa base, pois, não tê-la ou perdê-la pode ser fatal para a sobrevivência do partido que ora ocupa o governo. E nós já conhecemos dois casos em que isso aconteceu. Uma vez porque o presidente estava envolvido de fato em escândalos de corrupção e articulações entreguistas internacionais, e da outra vez aconteceu pela lógica misógina de poder, em que uma mulher honrada e comprometida com o seu povo não aceitou o ditame desta lógica machista da política e acabou ficando sem o apoio do Congresso Nacional.

Isso porque não cedeu aos apelos para salvar a pele do chefe do centrão de hoje, Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro. Por isso Dilma Rousseff teve seu pedido de impeachment aberto, por “supostos crimes” de responsabilidade, que depois o próprio senado que conduziu o processo de impeachment, constatou que não existiram. Ou seja: o fato é que a presidenta Dilma foi cassada por ter perdido o apoio político do Congresso e não por ter cometido algum crime. Claro que isso é reflexo da organização social e política do Brasil que se representa no Congresso Nacional de forma econômica, com a eleição de deputados que são ligados a grandes grupos econômicos e não com a representatividade dos estratos sociais. Isso é facilmente comprovado se traçarmos um perfil socioeconômico das deputadas e deputados eleitos nas últimas legislaturas, amplamente conhecidos por diversas entidades que fazem acompanhamento parlamentar, a exemplo do Departamento de Acompanhamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP).

Mas o fato é que na política brasileira todos os presidentes e a presidenta eleitos após abertura política com o fim da ditadura precisaram do apoio do Congresso Nacional para governar. Os governos democráticos e populares precisaram desse apoio, porque apesar de conseguirem eleger boas bancadas para o Senado e para Câmara, não tinham, sozinhos, conseguido número suficiente de deputadas e deputados para aprovar as leis que achavam necessárias.

Aliás, a eleição desses presidentes em si já começa pela organização de amplas alianças políticas, que envolvem diversos partidos de diferentes estratos políticos na sociedade. Mas o fato é que mesmo com bancadas consistentes de deputados e senadores, se houver uma maioria de dois terços das casas fica impossível governar sem fazer política com os grupos políticos menores, que, como descrito acima, desde a Constituinte de 1986 se organizam como um bloco para pressionar e conseguir a aproximação política do governo na histórica política do toma lá da cá.

No momento atual da política brasileira, em que o presidente conseguiu se eleger com base no messianismo político, sem base efetiva no Congresso, essa ligação pela distribuição de cargos e provento é ainda maior e pior pela necessidade política de sobrevivência.

A história se repete agora com Jair Bolsonaro, candidato de um partido nanico e azarão em termos de representatividade social, que é o Partido Social Liberal (PSL) de orientação de extrema direita, que tinha como meta política acabar com o período de desenvolvimento social das políticas públicas e dos programas de inclusão social, o que fazia com que as elites econômicas que conduzem o “deus mercado” tivessem urticária das políticas sociais dos governos democráticos e populares, porque não suportavam mais ter que dividir espaços nos shopping centers e nos aeroportos com as pessoas das classes menos favorecidas que estavam em ascensão social propiciada pelos governos democráticos e populares de Dilma e Lula.

Após o golpe civil, parlamentar e institucional de 2016, que teve apoio de setores do judiciário e levou à cassação pelo TSE da candidatura do ex-presidente Lula impedindo-o de concorrer às eleições 2018 e com um candidato da direita e do mercado, que era Geraldo Alckmin, que não decolou, o dito “deus mercado” desembarcou em peso na candidatura do azarão Jair Bolsonaro do PSL.

Bolsonaro engambelou uma boa parcela da população dizendo que era o novo nas práticas políticas. O que não é verdade, pois quem praticamente dormiu na tropa de choque de Collor de Mello, dormiu no chamado baixo clero e também no centrão. Somente os iludidos acreditavam que ele agiria de forma diferente, tendo Bolsonaro dormindo nas hostes da velha política por 28 anos como deputado federal, período em que teve somente dois projetos aprovados, que viraram leis. Não ia e não agiu diferente. Teve que nos últimos dias se render à velha política do toma lá dá cá para poder interferir nas eleições da Câmara e do Senado, onde os presidentes destas casas estão nos bolsos de Bolsonaro, ou melhor, do orçamento do governo federal que os atende, inclusive colocando nas esferas do executivo representantes do centrão para comandar pastas importantes.

Ou seja: não há nada de novo na prática política do desgoverno Bolsonaro, pois tenta manter-se no poder fazendo acordos com o Senado e com Câmara Federal utilizando-se das velhas práticas políticas da distribuição de cargos e proventos, sistêmica em nosso país.

No entanto, acreditamos de nada adiantará, pois o povo não suporta mais a retirada de direitos e a exploração da classe trabalhadora, não suporta mais a lógica do Estado mínimo e de desmonte dos serviços públicos por parte do desgoverno Bolsonaro que está somente a serviço de poucos banqueiros e poucos grandes industriais nacionais e internacionais. Não suporta mais o descaso e descompromisso com a vida e a saúde das trabalhadoras e trabalhadores, agravadas pelas denúncias da CPI da Covid-19 do Senado Federal, que diz que a vida é bem menos importante que a propina que estavam negociando alguns intermediários em nome do governo.

Chega deste desgoverno, deste descaso e do descompromisso com a vida, a saúde, os direitos e o patrimônio do povo; pois, são os corpos das trabalhadoras e trabalhadores que estão tombando todos os dias e já se aproximam de quase 550 mil mortes pelo coronavírus! É necessário a pressão da população, dos partidos progressistas e democráticos, das centrais sindicais, confederações, federações e sindicatos em conjunto com os movimentos sociais, sobre o presidente da Câmara Artur Lira, para autorizar o processo de abertura do impeachment para que Bolsonaro pague pelos crimes de responsabilidade e pelo genocídio do povo brasileiro que vem cometendo. Basta! Fora Bolsonaro! Impeachment já!

 

Edição: Pedro Carrano