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CRÔNICA. No dia 7 de setembro, o nome da mãe estava na lista de assinaturas

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"na mão que é feita também de serragem, no braço que também é de asfalto, nos olhos que também são cabos de luzes" - Pedro Carrano
"na mão que é feita também de serragem, no braço que também é de asfalto"

A lista de presença passava de mão em mão.

Um encontro que, pouco a pouco, ganhava densidade, pessoas chegando, algumas pisando em território conhecido, o corpo relaxado, outras entrando pé ante pé na associação de moradores pouco frequentada.

A disposição das pessoas em roda, a circularidade da disposição das pessoas, a escuta atenta para a fala de nosso advogado, defensor de causas que todos já conhecem há décadas, de décadas que às vezes até parecem sem causa, e Fátima tratava de receber cada pessoa recém-chegada, e oferecia um pouco de café, e um pouco de acolhida, e um punhado de sorrisos doídos distantes, que agora tão somente os olhos sinalizam, e direcionava as pessoas, e Fátima pedia mais cadeiras, muita gente para aquele lugar de paredes gastas de 30 anos, o dia sete de setembro é exatamente o dia da invasão, hoje aniversário, celebração, como se queira chamar, quando tudo isso aqui na comunidade era conhecido como um brejo de sapos, e os batráquios da prefeitura ameaçaram mas não conseguiram impedir as gentes de ficar e construir, sem do poder público tirar um centavo.

Só mais tarde veio a tal da Cohab, veio a prefeitura, a urbanização sem o poder público, os especialistas do poder público urbanizando do seu modo, veio até o diabo de Fausto, e os moradores negociaram, mas agora outra vez novamente uma reunião com o advogado, 30 anos, exatos 30 anos depois, ainda não tinham a escritura da casa, apenas a casa inscrita no uso, ainda não está tudo regularizado, já não está mais mato, porque foi o povo que ergueu tudo, na mão que é feita também de serragem, no braço que também é de asfalto, nos olhos que também são cabos de luzes, nas vértebras que são degraus de escadas, as esperanças ainda seguem acesas a fogo baixo nos olhos dos mais velhos, nos jovens ainda carecem de conhecer a esperança de um futuro, e um futuro que em algum momento lhes dê esperança.

A lista de presença gira na mão de cada um dos presentes, nome por nome, todos os nomes de Saramago, assinaturas, grafias para o tempo, eu olho no canto da sala da associação de moradores e Fátima chorando com o canto dos olhos, no espaço deixado pela máscara, me responde apenas que folheou o caderno e viu a assinatura da mãe abaixo da sua, duas décadas atrás, “quando a mãe ainda podia e conseguia assinar documentos".

"E a gente documentava que lutava e que ainda luta e que seguirá lutando por essa tal de moradia". 

Edição: Lucas Botelho