Coluna

Jair no cantinho do pensamento

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A dor de cabeça de Jair Bolsonaro chegou com a investigação aberta pelo TSE para apurar o financiamento dos atos, que podem caracterizar propaganda eleitoral antecipada - Marcos Corrêa/PR
O chazinho de boldo oferecido por Michel Temer não foi suficiente para superar a ressaca do dia 7

Olá! Depois de brigar com todo mundo e fazer as pazes, Jair deu uma semana de tranquilidade ao Brasil. Mas com a popularidade em queda e uma economia em marcha à ré, ninguém sabe se a trégua será duradoura.

 

.De férias com o ex. A carta que Bolsonaro psicografou de Temer acalmou temporariamente o mercado e pôs mais uma vez um freio no impeachment - com o recuo do PSDB, do PSD, do general Mourão, e até do STF, que deu um arrego para a família. A dúvida é se o passo atrás no golpismo vai durar ou se é apenas mais uma trégua passageira. Em primeiro lugar, a estratégia de Bolsonaro em apostar em sua torcida mais radical e fiel, os “patriotas”, diminuiu suas margens de manobra. Ao contrário do que se esperava, nem os militares e nem os PMs aderiram publicamente à setembrada. Nesse cenário, a versão de que o recuo pelas mãos de Temer foi o ato genial de um estadista não convenceu e a popularidade do capitão caiu imediatamente nas redes e continua caindo na opinião pública em geral. Além disso, muita energia e dinheiro foram investidos no sete de setembro e não será fácil repeti-lo. Por isso, Tânia de Oliveira aposta que agora Bolsonaro deverá deixar de lado o STF e se concentrar em combater Lula, o PT e a esquerda. O problema é que a paz não depende só dele e talvez seja tarde para esse reposicionamento. Será que Temer, o mercado, o STF e o Congresso acreditam que é possível uma pactuação séria? Um dos fatores centrais é que Bolsonaro não apenas não tem ferramentas à disposição, como não faz a menor ideia de como salvar a economia, que segue rumo ao descontrole. A confiança, num cenário como esse, é uma qualidade indispensável. Algo que Bolsonaro não tem. Para piorar, a crise política é justamente a oportunidade para os seus aliados mais próximos realizarem seus sonhos: Arthur Lira por mais dinheiro, Augusto Aras ainda sonhando com o STF, e Michel Temer ninguém ainda sabe bem a que veio.

 

.O dia seguinte. O chazinho de boldo oferecido por Michel Temer não foi suficiente para superar a ressaca do sete de setembro. A dor de cabeça chegou com a investigação aberta pelo TSE para apurar o financiamento dos atos, que podem caracterizar propaganda eleitoral antecipada e abuso de poder. Ao mesmo tempo, a CGU ameaça inviabilizar o orçamento paralelo comandado pelo ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, e o fechamento dessa torneira pode afetar os planos eleitorais de Bolsonaro e seus aliados do centrão. No Senado, Rodrigo Pacheco enterrou a MP das fake news, dando um sinal de que não tem medo de cara feia. Por outro lado, a família Bolsonaro também voltou à pauta da CPI da Covid, a ex-esposa do capitão foi convocada a depor. Ana Cristina Valle teria indicado o lobista Marconny de Faria ao ex-marido para ocupar cargos no governo. Marconny, conhecido por vender insumos a diferentes órgãos públicos, também é amigo de Jair Renan, o zero quatro. A carga contra a família foi engrossada pelo relatório que um grupo de juristas entregou à CPI sugerindo que Bolsonaro teria cometido pelo menos cinco tipos de crimes. Com tantas informações e tantas pontas para fechar, Renan Calheiros já avisou que não sai de Brasília enquanto não terminar o relatório final, que deve denunciar Bolsonaro no Tribunal Internacional de Haia e sugerir alterações na atual lei do impeachment, para evitar que os pedidos fiquem eternamente parados na mesa do presidente da Câmara.

 

.O apocalipse segundo Paulo Guedes. O problema da primeira classe e dos porões é que trocar o capitão depois de bater no iceberg pode ser tarde demais. A combinação de más notícias e índices parece não ter fim: o Banco Central e os bancos privados prevêem maior inflação e PIB menor, um microscópico 0,5% para 2022; os juros devem continuar crescendo e freando o consumo; a renda média vai continuar baixa e o desemprego só deve recuar ao patamar anterior ao da pandemia em 2025. Como resume o legítimo neoliberal Armínio Fraga, “o Brasil quebrou”. Isso que a crise hídrica ainda não chegou ao seu máximo e ela puxa para o alto as contas de luz e o preço dos alimentos: a carne de frango teve alta de 40% graças à conta de energia. Até a ONU já entendeu: a economia brasileira terá o pior desempenho entre as economias globais por conta da instabilidade política. Nesse ritmo, Bolsonaro corre o risco de perder um de seus maiores trunfos, o fim do horário de verão, pois as empresas alegam que ele é necessário para economizar energia. A desorientação do governo diante do fim do mundo é evidente. Enquanto isso, a desastrada política de preços da Petrobras, herdada de Temer e do golpe de 2016, foi atacada até por dois insuspeitos aliados do governo: Arthur Lira e o presidente do Banco Central, Campos Neto, respingando no general Silva e Luna. 

 

.Nova divisão do trabalho. O jogo ensaiado de um Congresso aprovando as reformas, enquanto um presidente lunático distraía a opinião pública, deu certo por um tempo. Foi assim que cerca de 46% das propostas feitas pelo governo na área econômica foram aprovadas. Mesmo que alguns projetos caros à base bolsonarista não tivessem andamento, a governabilidade estava garantida. No entanto, com o agravamento do quadro econômico, da crise política e a proximidade das eleições, esse esquema já não funciona. No caso do Auxílio Brasil, o problema é que a inflação e a austeridade fiscal inviabilizam o orçamento. E enquanto Paulo Guedes tenta implementar o programa que deve lastrear a reeleição de seu chefe, aumentando o IOF e pedindo socorro a Luiz Fux e a Arthur Lira para abocanhar os recursos dos precatórios, com a outra mão ele deixa três milhões de pessoas fora do atual bolsa família. No caso da reforma administrativa, sob pressão dos servidores públicos, a Câmara adiou a votação da matéria por falta de consenso. A proposta do relator Arthur Maia (DEM-BA) retira direitos da massa do funcionalismo e tenta contemplar os militares, facilitando a concessão de pensões para agentes penitenciários, agentes socioeducativos e policiais. Outro tema sensível é a inclusão do Judiciário na reforma. Por fim, com a aproximação das eleições de 2022, há temas de interesse do próprio Congresso em pauta. No Código Eleitoral, a aprovação da emenda que define uma quarentena de quatro anos para militares, membros do Judiciário, e Ministério Público se candidatarem reforça a independência da representação política em relação a esses setores.

 

.A vida dura. O milionário brasileiro só queria desmontar o Estado, ver uma onda de privatizações e ganhar muito dinheiro sem esforço. Mas, o fim do ano vai chegando e fica claro que sua criatura não só não é capaz de entregar todas as reformas prometidas, como está perdendo o controle da economia. E ao invés de ajudar, trabalha para agravar a crise. O desprezo do topo do PIB pelo capitão ficou evidente no convescote de especuladores em homenagem a Michel Temer. As movimentações políticas da turma da Bovespa deixam claro que eles não querem um Lula 3.0. O problema é que o que deveria ser um comício na avenida Paulista para dar caldo para a terceira via apoiada pela elite financeira, no último domingo (12), se transformou num velório do MBL. O biombo de Kim Kataguiri é um movimento “que não movimenta mais ninguém”, que não foi em nenhum dos atos anteriores e que culpa o PT por não comparecer num ato antipetista. Pior, o naufrágio dos protestos do MBL ajudaram a unificar a centro-esquerda, que planeja voltar às ruas em outubro. Como alerta Elio Gaspari, lembrando o “efeito Alckmin”, não basta somar muito dinheiro e tempo de tevê para gerar um candidato viável. E, hoje, o problema da terceira via é Jair Bolsonaro. É ele o adversário que deve ser batido se quiserem estar no segundo turno, ou o animal a ser domesticado se quiserem insistir numa hipótese que fracassa há três anos. Sem programa, sem candidato e sem povo, a terceira via é como uma música de Lulu Santos, “uma ideia que existe na cabeça e não tem a menor pretensão de acontecer”.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Cerca de um bilhão de pessoas vivem sem sapatos em pleno século 21. O diretor da Tricontinental Vijay Prashad escreve sobre o aumento da pobreza global e soluções para enfrentá-la.

.Dom Paulo, 100 anos: ensinamentos para se construir resistência hoje. A Rede Brasil Atual presta homenagem ao centenário de dois Paulos, o educador Freire e o cardeal Arns.

.Não é só o preço do combustível: ex-motoristas da Uber contam por que deixaram o aplicativo. Relações trabalhistas e pagamentos injustos são elencados por motoristas ao Brasil de Fato para explicar o abandono da plataforma.

.O bolsonarismo dentro das boleias. O Outras Palavras faz uma minuciosa radiografia de quem são e como estão organizados os caminhoneiros.

.O parceiro silencioso. A Piauí demonstra como Biden quer distância de Bolsonaro, mas também quer o Brasil distante da China.

.Costa-Gavras e a revolução dos sem-gravata. O prestigiado diretor revê os dias turbulentos da crise econômica grega em seu novo filme.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo