Pernambuco

100 ANOS DE FREIRE

Em Pernambuco, centenário de Paulo Freire é comemorado com ato público e atividades culturais

Movimentos populares, organizações sindicais e entidades celebram memória e legado do educador pernambucano

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Atividade foi organizada pelas entidades que compõem a Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire - Vanessa Gonzaga/Brasil de Fato PE

Neste domingo (19), que marca o centenário do pernambucano Paulo Freire, diversas atividades comemoram o legado do educador na capital pernambucana. Durante a manhã, as entidades que compõem a Campanha Latino-Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire se reuniram para um ato político e cultural no Armazém do Campo, na área central do Recife.

A campanha funciona desde 2019 desenvolvendo diversas atividades de formação para debater a importância e o impacto da produção teórica de Paulo Freire, no sentido de mostrar como o seu legado se expressa através de várias iniciativas, como explica Mónica Tavares, da coordenação da campanha, que afirma que as atividades continuarão ao longo deste ano. "Mais do que nunca a gente precisa viver processos educativos baseados nessa pedagogia, então essa onda de ataques a Paulo Freire não é a toa. Como Freire dizia, educar é um ato político, então essa transformação incomoda hoje quem está a frente do governo", denuncia. 

Entre os diversos dirigentes de movimentos populares e lideranças políticas da esquerda pernambucana, quem esteve presente no ato foi o deputado estadual João Paulo (PCdoB), que relembra como a perspectiva freireana foi fundamental para sua formação política "Eu sou um dos muito influenciados por Freire. Em 1978 eu saia do Brasil, do fundo de uma fábrica, para estudar por seis meses no Centro de estudos do desenvolvimento na América Latina (CEDAL), que era um sonho de Freire já em 78, nesse sentido de formar lideranças dos movimentos populares para assumir tarefas importantes no Brasil. Paulo Freire foi um iluminador da consciência humana, então nada mais justo do que os movimentos o manterem sempre presentes na sua prática e na sua visão de mundo".


No Recife, movimentos saíram do Armazém do Campo em cortejo até o Marco Zero / Vanessa Gonzaga/Brasil de Fato PE

O cortejo contou com a participação de grupos de maracatu, teatro popular de rua e a batucada feminista, além de representantes de religiões de matriz afro, como Marta Almeida, da tradição Nagô Vodun, que faz uma relação entre o educador pernambucano e a cultura popular "Pela roda, pela musica, pelos tambores, pela nossa tradição, cultura e axé. Quando a gente defende Paulo Freire, a gente defende seu legado que está também na religião de matriz africana, no quilombos, nos terreiros, nas periferias e para aqueles e aquelas que estão na invisibilidade. Quando a gente está na rua, a gente tem vez e tem voz, a gente traz Paulo Freire", afirma.

Com a apresentação de grupos de maracatu e um boneco gigante feito especialmente para a ocasião, o cortejo seguiu até o Marco Zero, onde o ato encerrou com música a palavra de ordem "Fora Bolsonaro", bem recebida pelo público do local.

Alceu Valença e Silvério Pessoa em homenagem

Na tarde deste domingo (19) a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) reinaugurou sua concha acústica com um evento em homenagem a Paulo Freire, que é formado na instituição (no curso de direito, em 1946). O evento foi realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), foi transmitido online pelo Youtube e contou com shows dos pernambucanos Alceu Valença e Silvério Pessoa, além do maracatu nação Estrela Brilhante e da quadrilha Origem Nordestina. A atividade foi restrita a convidados, com público de aproximadamente 300 pessoas.

O presidente da CNTE, o também pernambucano Heleno Araújo, resumiu que o evento deste domingo “celebra a vida e saúda a democracia, ambas cotidianamente atacadas por esse desgoverno”. A deputada estadual e também professora Teresa Leitão (PT) participou do evento e disse que Paulo Freire é “necessário e atual” para se contrapor ao ódio e ao desalento. “Ele nos ensina a buscar o ‘inédito viável’, a construção do sonho coletivo, o sonho possível. Isso enerva nossos adversários. Eles querem uma escola reprodutora do status quo, uma escola castradora. Mas a escola de Paulo Freire é libertadora, emancipadora, é do afeto”, pontuou.

A educadora Rubneuza Leandro, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou o papel da educação freireana na construção do movimento. “Ele pensou a educação como instrumento também de organização dos trabalhadores. Através do seu pensamento, expresso na educação popular, nasceu o MST no fim dos anos 1970. E o movimento tomou a educação popular como fundamento de sua atuação, educando não só para ler a palavra, mas ler o mundo”. O professor Paulo Rocha, presidente da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE), resume que Paulo Freire é a “esperança de um Brasil com distribuição de renda, o direito à moradia e três refeições ao dia para todos”.

A educadora caruaruense Cícera Maria, integrante do Fórum de Educação de Caruaru, também reforçou o legado de Freire como motivador para a construção de uma outra sociedade possível. “Nos ensina a ter esperança em dias melhores, num mundo mais justo e a manter a alegria para lutar. Quem quer cercear nossa liberdade não nos quer com alegria e nem lutando. O músico e professor universitário Silvério Pessoa defende que os centros de ensino e os educadores resgatem a obra de Paulo Freire. “Seu legado vai além da educação para jovens e adultos. Ele propõe outra filosofia de educação, que precisa ser sempre redescoberta. As escolas e universidades precisam ampliar o alcance dessa obra”.

O reitor da UFPE, Alfredo Gomes, afirma que Paulo Freire é inspiração para a universidade. “Ele tem tudo a ver com a nossa universidade. Freire nos inspira a pautar a inclusão, a sustentabilidade e a levar a universidade ao encontro do povo”. Gomes comemorou a reinauguração da Concha Acústica da universidade, que leva o nome de Paulo Freire. O equipamento estava fechado havia pelo menos quatro anos. “Estamos no esforço para recuperar nossos equipamentos culturais para ficar mais próximos à sociedade, não só através da educação, inovação, da pesquisa, mas também da cultura.

Também estiveram presentes o senador Humberto Costa (PT), a vereadora e professora Liana Cirne (PT) e participaram por vídeo a deputada federal Luiza Erundina (PSOL), ex-prefeita de São Paulo que teve Paulo Freire como secretário; Mário Sérgio Cortella, ex-assessor de Freire na prefeitura de São Paulo; o teólogo Frei Betto; o ex-ministro da educação Renato Janine Ribeiro; e o atual ministro da educação da Bolívia, Adrian Quelca Tarqui.

Autoridades

O Ministério da Educação e Cultura (MEC) não emitiu qualquer nota ou homenagem ao educador, assim como o presidente Jair Bolsonaro ignorou a data. Já o ex-presidente Lula afirmou que devemos defender Freire dos ataques dirigidos pela direita-conservadora. “Temos que recuperar a verdadeira história desse grande educador perseguido pela ditadura. Até hoje ele é desrespeitado por quem não respeita a educação. Eu poucas vezes vi um homem tão generoso como foi Paulo Freire”, disse o ex-presidente, que o considera “o maior educador do século 20”. O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, recomendou que as pessoas leiam Freire antes de criticá-lo.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, publicou em suas redes sociais uma foto do educador. “Ele deixou como legado um eficaz método de alfabetização, adotado no Brasil e no exterior. Paulo Freire nos mostrou que a educação é o caminho da transformação”, escreveu o governador. O prefeito do Recife, João Campos, escreveu que a obra de Freire “é urgente numa sociedade que se pretende mais justa e com melhores perspectivas. Seus ensinamentos continuam atuais e nos ajudam a construir um caminho para enfrentar a dura realidade brasileira”, escreveu, mencionando os 11 milhões de analfabetos no país.

Edição: Vinícius Sobreira