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Calma, faltam só 456 dias

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Como era de se esperar, Luciano Hang armou um circo com o apoio de Flávio Bolsonaro e dos governistas: mentiu, tergiversou, debochou da autoridade do Senado, não trouxe nada de novo - Edilson Rodrigues/Agência Senado
Além da economia, há outros problemas bem conhecidos no horizonte do governo

Olá! Bolsonaro completou mil dias no poder, mas vai precisar mais do que a pirotecnia do "véio da Havan" para escapar do relatório da CPI da Covid. Mas, antes disso, o preço da gasolina e a volta da oposição às ruas podem fazer sua popularidade virar fumaça.

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.Placar apertado. E não é que aos 45 do segundo tempo, com o jogo praticamente ganho, a CPI cometeu um erro de cálculo convocando o “véio da Havan” para depor? Como era de se esperar, Luciano Hang armou um circo com o apoio de Flávio Bolsonaro e dos governistas: mentiu, tergiversou, debochou da autoridade do Senado, não trouxe nada de novo e ainda reanimou as redes bolsonaristas. A oitiva com o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury também só será lembrada pelas convicções negacionistas e homofóbicas. Felizmente, o escracho do Levante Popular da Juventude em frente ao Prevent Senior nesta quinta (30) ajudou a recolocar em pauta os crimes cometidos pela empresa que foram denunciados na terça-feira (28) pela advogada Bruna Morato. Defensora de um grupo de doze médicos que trabalharam na empresa, a advogada revelou em dossiê que o Prevent e o governo fizeram uma espécie de pacto para tentar validar o uso do “kit covid”. Enquanto a empresa fraudava uma suposta pesquisa para comprovar a eficácia do tratamento precoce, obrigando seus médicos a prescreverem medicamentos ineficazes e acobertando o verdadeiro motivo da morte dos pacientes, o governo atrasava e deslegitimava as vacinas, divulgava a cloroquina e criticava as medidas restritivas decretadas por governadores e prefeitos. Portanto, além do gabinete paralelo na saúde, o acordo envolvia também Paulo Guedes e sua turma, interessados em manter a “normalidade” na economia. Na próxima semana, a CPI vai ouvir três ex-médicos do Prevent, um representante da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e fechar o cerco da relação entre o governo e a Precisa Medicamentos.

 

.Blindados. Segundo o senador Renan Calheiros, o relatório da CPI da Covid está praticamente pronto e vai assustar muita gente. Ainda assim, a postura de Luciano Hang, mostra que o governo e seus aliados não estão muito preocupados. O Prevent Senior, por exemplo, continua sendo o maior plano privado de São Paulo e uma das dez maiores empresas do setor de saúde do Brasil, atendendo cerca de 542 mil clientes, na maioria idosos. Se a infraestrutura econômica do grupo não for afetada, não importa que seus proprietários façam apologia ao nazismo ou que a empresa prescreva medicamentos ineficazes, pois o dinheiro continuará entrando. Porém, a Assembleia Legislativa de São Paulo abriu uma CPI estadual para investigar o caso Prevent, enquanto o TJ-SP pode abrir precedente em processos de vítimas contra o plano e a ANS parece sair da sua letargia no caso. Quem também não se mostra muito preocupado com o desfecho da CPI são os militares. Afinal, eles estão blindados por suas medalhas e pouco importa que o gen. Braga Netto tenha se envolvido diretamente na compra de vacinas, na crise de Manaus e na distribuição de cloroquina. O único que sente alguma dor de cabeça é Flávio Bolsonaro, cujo nome pode vir à tona com a quebra do sigilo fiscal e telefônico de Daniel Trento, diretor da Precisa Medicamentos. Outro sinal da expectativa de impunidade é que o Ministério da Saúde segue dando exemplos de descaso e de desperdício de recursos públicos, deixando vencer milhares de kits para diagnóstico da Covid-19 e dezenas de medicamentos e vacinas, além de continuar brincando com a sorte na compra de vacinas para 2022. Ou seja, a CPI está acabando, a votação do relatório está prevista para o dia 20 e será um fato político importante, mas a justiça frente a tantos horrores cometidos durante a pandemia ainda é incerta.

 

.Parecem mil anos. Sabe-se lá como, o governo mais caótico da história do Brasil completou mil dias. Neste período, o capitão alimentou uma média de três crises por mês e trinta e duas violações dos direitos humanos. Em ambas as coisas, contou com o incentivo e aplauso de uma claque fardada formada pelos generais Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto, agora investigado pela PGR, e dos filhos aloprados. Porém, o tema da festa dos mil dias não foi um soldadinho, nem os avanços na “pauta dos costumes”, como sonhava a torcida, mas o dragão da inflação. Com o preço da luz, dos combustíveis e dos alimentos lá em cima, assim como os juros, o país caminha a passos largos para uma estagflação. Isso sem mencionar a contagem regressiva para um apagão elétrico. Um cenário que já é realidade para as 2 milhões de famílias que caíram na extrema pobreza no último ano. Sem a menor ideia de como sair da crise, além de cortar mais direitos como a CLT, o governo sabe que será responsabilizado, mesmo que Bolsonaro atue como se o presidente não fosse ele e prefira jogar a culpa nos outros. No caso dos combustíveis, contando com o apoio de Arthur Lira, Bolsonaro tenta culpar os governadores e o ICMS novamente. Ao mesmo tempo, ele tenta desesperadamente qualquer coisa para reduzir o preço dos combustíveis. Só que, na prática, fazer arminha não tem funcionado e os valores vão continuar sendo reajustados para cima, o que já motiva a pressão de caminhoneiros pela abertura de uma CPI da Petrobras, tudo o que Bolsonaro e o mercado não querem. Outra questão pendente é o destino do auxílio emergencial, que salvou o PIB brasileiro contra a vontade de Paulo Guedes. Sem conseguir criar o substituto do Bolsa Família no Congresso, é possível que o governo prorrogue o auxílio até abril.

 

.Nada que não possa piorar. Além da economia, há outros problemas bem conhecidos no horizonte do governo. O mais sensível deles é Carlos Bolsonaro, o filho favorito. Com o STF e o Tribunal de Justiça carioca fazendo corpo mole no caso das rachadinhas de Flávio, o Ministério Público resolveu mirar no vereador que não tem foro privilegiado e deve ser julgado na primeira instância. Mas há outros esqueletos no armário: em breve, Bolsonaro terá que depor no STF sobre a interferência na Polícia Federal e a ação sobre os disparos de mensagens em massa nas eleições de 2018, que dormita há quatro anos no TSE, talvez saia da gaveta, com uma troca de ministros no Tribunal. Se condenados, Bolsonaro e Mourão podem ficar inelegíveis por oito anos. Por fim, mesmo que Bolsonaro tenha  abandonado André Mendonça à própria sorte, o chá de cadeira que o indicado para o STF está levando no Senado também pode ser entendido como sinal de fraqueza do governo. Quando o tema é eleição, há ainda outro problema para resolver: por qual legenda se candidatar? Afinal, as portas do Patriota parecem fechadas e nem o fiel PTB de Roberto Jefferson quer abrir os braços facilmente para receber o clã. Boa notícia para a família só a disposição da revista Veja em vender a imagem de um Bolsonaro sensato e com cara de empresário para agradar a Faria Lima e que a autoproclamada terceira via entendeu que na disputa pela base social da direita, o alvo deve ser Lula e o PT. Tanto é que até o falecido Sérgio Moro voltou ao Brasil para ser pautado como um possível anti-Lula, enquanto o PSDB aposta que Eduardo Leite é a cara da renovação, com um estilo jovem, moderado e empreendedor. Do outro lado, embalados pela retomada da CPI e pelo fracasso dos atos da direita, a esquerda volta às ruas no próximo dia 2 e se ampliar o leque de alianças e o número de participantes, pode pôr o impeachment de novo em pauta.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Jornadas ininterruptas e cada um por si: o “novo normal” do trabalho na imprensa sob pandemia. O Brasil de Fato analisa a pesquisa que revela como os comunicadores passaram para jornadas de trabalho sem fim na pandemia.

 

.Desmatamento e modelo agrícola aumentam risco de ‘tempestade de poeira’. Na BBC, João Fellet mostra que a tempestade de areia no interior de São Paulo não é apenas culpa da seca.

 

.Isolamento marca geração de militares que chegou ao poder com Bolsonaro, diz pesquisador. O antropólogo Celso Castro (FGV) fala sobre o desprezo dos militares pelos civis e os riscos da ação militar como um partido político.

 

.Nos erros de reconhecimento facial, um "caso isolado" atrás do outro. A Piauí demonstra como o reconhecimento facial é mais um aliado para o racismo estrutural das polícias.

 

.Angela Merkel foi ruim para a Europa e o mundo. O economista grego Yanis Varoufakis descreve os motivos pelos quais não se deve ter saudades da ex-chanceler alemã.

 

.O resultado das prévias argentinas e um alerta para o Brasil. No Diplô Brasil, um alerta: a Argentina ensina que só com boas intenções e sem massas na rua, não haverá mudanças.

 

."Doutor Gama", um filme que revela a trajetória do abolicionista Luiz Gama. O diretor Jeferson De, do longa-metragem "Doutor Gama", é entrevistado pelo Brasil de Fato sobre seu filme e o legado histórico do líder abolicionista.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Anelize Moreira