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Offshore: um crime quase perfeito

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Presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, e ministro da Economia, Paulo Guedes, mantêm empresas offshores em paraísos fiscais - Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Em sua dimensão oculta, o processo de concentração de capitais é muito mais dramático e acelerado

O Consórcio Internacional Jornalistas Investigativos revelou, neste domingo, 3 de outubro, uma investigação sobre paraísos fiscais e sobre quem são seus “beneficiários”. Impactante.

A investigação, chamada de Pandora Papers, joga luzes sobre elementos materiais daquilo que vários analistas vêm chamando a atenção: o mundo caminha para uma concentração de riqueza muito maior do que estatísticas oficiais demonstram.

De fato, as evidências dizem isso, o mundo financeiramente global parece ter uma face pública e outra face em segredo. Sua face pública, ou sua face observável, já demonstra um mundo que caminha miseravelmente para o empobrecimento absoluto de uma grande parcela da população. Os Estados e os governos, em sua maioria sob a hegemonia neoliberal, colocam a máquina e os aparelhos a funcionar para dar a aparência da igualdade entre os indivíduos. E para garantir um sistema normativo com alguns mecanismos de compensação, de tal forma que a ordem social não entre em colapso e se convulsione.

Mas a realidade é bem pior. Em sua dimensão oculta, o processo de concentração de capitais é muito mais dramático e acelerado. O mercado financeiro formal parece apenas encobrir o que ocorre abaixo da linha do segredo. Grande parte dos lucros financeiros são ‘expropriados” do sistema formal para o sistema oculto das empresas offshore. Essas contas bancárias são abertas no que chamam de “paraísos fiscais” para fugir ao incipiente e anêmico sistema tributário de nações capturadas pelo rentismo.

Trata-se de uma operação financeira para que esse volumoso dinheiro escape da contabilidade oficial mundial e com isto não entre nas compensações sociais que os Estados nacionais estão obrigados a fazer. Essas operações, em que pese caminharem na borda da lei, são efetivamente autorizadas pelo mercado financeiro mundial e contam com a complacência dos governos mundo afora. Ou alguém acha que o imenso aparato estatal de investigação e espionagem, como posto em funcionamento para quebrar a Petrobras, não conhece o mundo obscuro dos lucros monstruosos oferecidos por essas empresas e riquezas intributáveis?

As revelações mostram que 20 acionistas das maiores empresas brasileiras, entre eles 6 diretores de bancos, extraditam dinheiro sem pagar impostos e, essencialmente, para não pagar impostos. As offshore não são corruptelas ou desvio do sistema financeiro, mas uma dimensão indispensável e estruturante do sistema de lucros exorbitantes que os rentistas auferem. Obviamente que esse sistema, que combina um subsistema legal e um subsistema não legal, não existiria sem que o poder de Estado o garantisse através de um arcabouço legal-repressivo e o legitimasse através da ideologia, da comunicação e da política.

O fato de diretores de bancos, empresas privadas, o Ministro da Economia e o presidente do Banco Central do Brasil, autoridades monetárias nacionais, serem beneficiários deste “truque” tributário expõe o conluio macabro que o sistema financeiro constituiu entre capitalistas, governantes e burocratas. Um crime contra a humanidade, quase perfeito.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira