Minas Gerais

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Consciência no sistema capitalista: a formação das ideias em uma sociedade de classes

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"As condições objetivas estabelecidas na luta pela terra e pela moradia incidem sobre as consciências das pessoas, conclamando-as para abraçar processos emancipatórios" - Alex Garcia
Desde o ventre materno já somos condicionados e, ao nascer, caímos em um mundo do capital

“Cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”, afirma Karl Marx em em carta a Wilhelm Bracke. Na sociedade do capital, “mundo antagônico ao humano e à vida”, como diz Mauro Iasi, e especificamente no capitalismo, sistema histórico atual da sociedade em que vivemos, a sociabilidade é organizada em classes.

A classe dominante, ao dominar, espolia e superexplora cada vez mais a classe trabalhadora e o campesinato. Acontece assim a opressão de classe, o que suscita indignação e desencadeia rebeliões, fazendo eclodir a luta de classes. Na sua dinâmica, a luta de classes articula aspectos objetivos e subjetivos que podem caminhar para a formação dos trabalhadores enquanto classe proletariada, não apenas como uma classe explorada da sociedade do capital, mas uma classe que se opõe ao capital e pode se tornar portadora de um novo tipo de sociabilidade humana emancipada.

A consciência não é tudo, mas sem ela não é possível empreender uma caminhada de emancipação humana. Julgamos pertinente e necessário elucidar o que seja consciência e como ela se forma ou se deforma.

Consciência não é uma coisa. Se fosse, ao adquiri-la a teríamos pronta e acabada. E se não a tivéssemos, estaríamos em uma situação de “não consciência”. Mas consciência envolve processo, um movimento e não é algo dado e acabado.

A classe dominante domina não apenas porque detém o poder econômico do capital, mas também porque seus indivíduos têm consciência

 

Segundo a filosofia existencial sartreana, o homem não é, mas se torna. “A existência precede a essência. [...] O homem não é mais que o que ele faz”, escreveu o filósofo Jean-Paul Sartre.

A consciência se forma em várias fases ou formas. “A consciência é gerada a partir e pelas relações concretas entre os seres humanos, e desses com a natureza, e o processo pelo qual, em nível individual, são capazes de interiorizar relações formando uma representação mental delas”, escreve o autor Mauro Iasi. 

Na luta pela terra e pela moradia, na sua preparação de base, na ocupação de um latifúndio que não cumpre sua função social, de um terreno ocioso ou prédio abandonado e na resistência para impedir despejo (reintegração de posse) uma série de relações concretas se estabelece entre os Sem Terra e os Sem Teto envolvidos na luta comum por bens comuns: terra e moradia.

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As condições objetivas estabelecidas na luta pela terra e pela moradia incidem sobre as consciências das pessoas, conclamando-as para abraçar processos emancipatórios. Por outro lado, quando as trabalhadoras e os trabalhadores permanecem isolados vendendo a si mesmos ao vender sua força de trabalho no mercado, outras condições objetivas, aqui as do capital, incidem moldando as consciências segundo a ideologia dominante, a que beneficia os interesses da classe dominante.

A classe dominante domina não apenas porque detém o poder econômico do capital, mas também porque seus indivíduos têm consciência, são pensadores e produzem ideias que são veiculadas como se fossem ideias universais. 

“A primeira instituição que coloca o indivíduo diante de relações sociais é a família”, escreve Iasi. Uma família comprometida na luta pela terra e/ou pela moradia não estará tão indefesa nas garras da consciência trombeteada aos quatro ventos pelo capital.

Acima da família, é no mundo do trabalho que a consciência é (de)formada. A lógica imposta pelo capital é assimilada e interiorizada pela maioria dos trabalhadores que vão “espontaneamente” ao altar do ídolo mercado para serem sacrificados um pouco a cada dia. “As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação”, escreveram Marx e Engels.

Observe-se que as ideias dominantes se tratam de expressão ideal das relações materiais dominantes e não apenas expressão ideológica, como muitas vezes é traduzido. Por ser expressão ideal, as ideias dominantes são algo também ideológico no sentido de que escondem as relações de opressão embutidas nas relações sociais do capital.

Assim, a primeira forma de consciência normalmente é alienada, pois, ao assimilar as experiências próximas e concretas, tende-se a amoldar a uma forma que naturaliza o que é construído historicamente em relações de poder.

Não nascemos em uma família tábula rasa e nem em uma sociedade no seu ponto zero. Desde o ventre materno já somos condicionados e, ao nascer, caímos em um mundo do capital, no nosso caso, no sistema capitalista. As famílias que determinam em parte a consciência de seus filhos, são determinadas pelo sistema do capital, que parece ser uma forma incontrolável de controlar as pessoas - e toda a biodiversidade.

Enfim, para início de conversa, para compreendermos a formação ou a deformação da consciência em uma sociedade capitalista, não basta analisar as ideias que circulam no meio social. É imprescindível compreender a trama das relações sociais de opressão e exploração que condicionam, e muitas vezes determinam, a construção ou destruição de consciência emancipatória.

*Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Rafaella Dotta