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Marzão besta!

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Chegando à praia, viram aquela imensidão de água e um deles falou a tradicional expressão usada por alguns mineiros quando conhecem o mar: "Marzão besta!" - Creative Commons
Onde é que a gente ia arrumar água pra misturar nisso tudo?

Quem morou em cidades pequenas do estado de Minas umas décadas atrás, com certeza deve se lembrar dos leiteiros que iam de porta em porta, com uma carroça puxada por algum animal sonolento, levando alguns latões de leite.

Usavam como medida um litro feito com lata de óleo, que na época era um litro mesmo, com mil mL. Hoje, chamam de litro latas ou garrafas plásticas com 900 ml.

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Pois bem, eles tinham sua freguesia certa, às vezes o animal até sabia onde tinha que parar para o leiteiro entregar o leite. O leiteiro sabia direitinho quanto ia para cada freguês: em tal casa dois litros, naquela outra um litro... E não recebia na hora. Era pago sempre no final do mês.

Numa cidadezinha bem pequena do Sul de Minas havia só dois leiteiros e eles não concorriam um com o outro, nunca brigavam, um não tentava tirar a freguesia do outro, nada disso. Nunca se encrencaram. Segundo as más línguas combinavam até a quantidade de água que misturavam no leite.

Um defendia o outro, garantindo que essa história de misturar água no leite não era verdadeira, apesar de um dia uma mulher ter achado um lambari no leite que ia pôr na mamadeira de um filho, sinal que não só misturavam água no leite como era água de córrego.

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Eram tão amigos que tornaram-se compadres, o Joaquim era padrinho de um dos filhos do Sebastião.

Um dia, o Sebastião disse que queria conhecer o mar e ia fazer uma viagem ao litoral paulista, e o Joaquim decidiu ir junto.

Treinaram os filhos uns três dias e passaram a eles o encargo de fazer o serviço, e lá se foram para Santos.

Chegando à praia, viram aquela imensidão de água e um deles falou a tradicional expressão usada por alguns mineiros quando conhecem o mar:

— Marzão besta!

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Em seguida, o Sebastião ficou quase uma hora olhando o mar, admirado, e só depois falou devagar e pausado:

— Já pensou, compadre Joaquim, se esse mar fosse todo de leite pra gente vender?

— Não ia ser bom não, compadre... — respondeu o outro.

— Uai, por quê? — perguntou o Sebastião, surpreso.

O Joaquim matutou uns segundos e falou:

— Onde é que a gente ia arrumar água pra misturar nisso tudo?

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir